Venda de bonds da Raízen acende alerta em investidores e provoca salto do CDS do Brasil e do dólar
Por Victor Rezende, Bruna Furlani e Arthur Cagliari
O ressurgimento dos riscos fiscais e a intensificação da ansiedade em torno da eleição presidencial de 2026, que já começavam a se refletir nos preços dos ativos domésticos, se somaram a uma dinâmica negativa no mercado de crédito offshore. Como resultado, houve uma piora relevante do risco Brasil e uma desvalorização inesperada e expressiva do câmbio na semana passada, que levou o dólar de volta à casa de R$ 5,50, em uma espiral negativa que reverberou nos demais ativos domésticos, ainda que de forma mais contida.
A dinâmica dos mercados na sexta-feira assustou, sobretudo durante a manhã, quando o real passou a anotar uma desvalorização aguda e não foi acompanhado por uma piora imediata e da mesma magnitude dos outros ativos domésticos, como o Ibovespa e as taxas de juros de longo prazo. Nas tesourarias de grandes bancos, foi detectado um movimento bastante relevante de desmonte de posições otimistas com o câmbio no Brasil por investidores estrangeiros, diante de uma contaminação com o "sell-off" [venda expressiva] dos bonds da Raízen no mercado offshore.
"Temos visto alguns 'cases' de crédito começando a pipocar e, quando existe um movimento forte lá fora, os fundos têm de fazer hedge rapidamente. O CDS do Brasil sofreu e, como o posicionamento do estrangeiro em dólar aqui é muito grande - já que ele está no 'carry trade' vendido em dólar para pegar o diferencial de juros aqui -, qualquer redução na posição dele mexe bastante com o mercado", observa Luiz Eduardo Portella, sócio e gestor da Novus Capital.
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"Houve um 'sell-off' em mercados emergentes, mas acabou sendo mais forte no Brasil do que em outros países, puxado por eventos de crédito que já vêm acontecendo no país, como Ambipar, Braskem, cautela com Raízen, aéreas etc. São alguns casos mais estressados que já temos e isso assusta ainda mais o movimento do estrangeiro. Por isso o movimento dos bonds do Brasil foi mais forte que o geral", diz o gestor de crédito Victor Ary, da Novus, ao ressaltar, ainda, o estresse mais intenso nos papéis da Raízen.
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"É uma preocupação específica de crédito. Vimos que a Cosan, que já vinha passando por dificuldade, teve acesso a capital, mas deixou bem claro que esse capital não será estendido à Raízen, deixando essa responsabilidade sobre a Shell", nota Ary no podcast semanal da Novus. "Não temos ao certo se um aumento de capital irá acontecer e qual efeito ele terá. Enquanto a solução não vem, a empresa continua com queima de caixa e, mesmo que uma capitalização ocorra, ainda deve oferecer apenas um alívio temporário, sem resolver de forma definitiva o nível elevado de alavancagem e de queima de caixa dados os juros altos e questões operacionais da companhia."
Ary observa que o mercado estima uma perda do grau de investimento pela Raízen, o que pode obrigar diversos fundos que têm o papel a vendê-lo. "O mercado, antecipando esse movimento, seguiu com esse 'sell-off' do bond lá fora", diz. No pior momento da sessão, os títulos em dólar da Raízen com vencimento em 2054 chegaram a cair 14 centavos de dólar para serem negociados a 68 centavos de dólar.
Foi justamente essa piora que serviu como gatilho para um salto do CDS do Brasil, que voltou a superar os 150 pontos, enquanto o dólar disparou frente ao real.
"Vimos um movimento de saída do investidor do crédito brasileiro. Foi algo generalizado, uma redução da exposição ao país. Em certa magnitude, não ajuda a quantidade de notícias ruins, uma atrás da outra, envolvendo empresas brasileiras. Para o investidor estrangeiro, uma série de notícias negativas desse tipo faz com que ele fique mais acuado e se desfaça dessas posições", afirma o gestor de crédito Luiz Christ, da Principal Asset Management. "Até por isso, empresas que não têm um vínculo direto com a Raízen acabaram sofrendo."
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Visão semelhante é defendida pelo gestor Rafael Basso, da área de fundos internacionais da AZ Quest, para quem o estresse no crédito pode se intensificar e deixar os mercados "irracionais" por mais algum tempo. No entanto, ele avalia que não deve haver um movimento generalizado. "Estamos longe de antever uma crise de crédito", enfatiza. "Estamos em um momento de corte de juros nos EUA, que irá permitir às empresas daqui acessarem o mercado de fora com um custo mais baixo. O que estamos vendo em bonds corporativos são casos bem específicos, como Ambipar, Braskem e, nos últimos dias, Raízen e CSN, que são [questões] mais pontuais."
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Basso afirma que o mau humor provocado por essas questões "pontuais" fez os investidores reavaliarem o valor de muitos títulos, que foram considerados caros. E, nesse momento, esses players pensaram que poderiam reduzir a posição e comprar o CDS, justamente porque o CDS ficou barato - o que provocou uma disparada do risco Brasil na sexta-feira. De acordo com Basso, o volume de CDS na sexta-feira foi maior do que nos últimos três meses. "Foi uma grande busca por proteção."
Investidores observam que, até mesmo no mercado de crédito local, não houve uma grande contaminação, já que ocorreu um aumento dos spreads de crédito em alguns índices, mas com certa distorção, já que a piora se deu de forma mais concentrada em papéis que vinham sofrendo com alguns eventos de crédito, como Braskem, Ambipar e aéreas. Há uma preocupação maior justamente porque o mercado de crédito privado tem sido o "queridinho" dos investidores.
"Não teve um movimento generalizado, até porque o fluxo segue positivo, sem resgates acontecendo nos fundos e sem pressão de saída", nota Victor Ary, da Novus. "Evidentemente, por causa desses eventos, ainda é um ponto que devemos aguardar os próximos dias para saber se haverá uma contaminação, mas o efeito que conseguimos ver, por ora, é o volume ficando bem reduzido no mercado secundário; o mercado está mais seco, o que demonstra que os players estão um pouco mais parados aguardando o que pode ser feito desses eventos de crédito e depois desse movimento do mercado de bonds lá fora."
Para Luiz Christ, da Principal Asset, embora os spreads estejam bastante "amassados", o que não é sustentável a médio prazo, o mercado deve sofrer alguma correção que pode se dar mais à frente, quando um ciclo de flexibilização da política monetária tiver início. "Enquanto falarmos de uma Selic em 15%, será difícil o investidor local sair dos títulos de crédito e atrelados ao CDI para classes mais arriscadas", avalia.
Valor
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