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Luiz Lara quer de volta uma publicidade que emocione

Luiz Lara quer de volta uma publicidade que emocione

Em 'A alma brasileira do negócio', o chairman da TBWA revisita a história da propaganda e provoca o mercado a reencontrar propósito, ética e humanidade em meio à lógica dos algoritmos


Por Claudia Penteado - De São Paulo


Em um momento em que o marketing tenta se reconectar com propósito e humanidade, Luiz Lara, chairman da TBWA Brasil, lança "A alma brasileira do negócio" (Matrix Editora), escrito em parceria com o jornalista Thales Guaracy. O livro é, ao mesmo tempo, um retrato da era de ouro da propaganda nacional e um ensaio sobre o futuro de uma indústria que, segundo ele, "perdeu um pouco da sua emoção ao se submeter à lógica fria dos algoritmos".

"Meu terapeuta me disse que talvez fosse hora de escrever. Escrever tudo", conta Lara.

A ideia nasceu como um exercício de cura - um modo de elaborar o luto pela perda de três grandes amigos, entre eles o ex-sócio Jaques Lewkowicz - e acabou se transformando em uma reflexão sobre o sentido de comunicar em um mundo em transformação. Lara também queria, de alguma forma, deixar voar seus "filhos" - Lew'Lara\TBWA e ID\TBWA, dirigidos, respectivamente, por Marcia Esteves e Camila Costa.

"O terapeuta me disse: escreve tudo. E eu entendi que era isso mesmo: não era uma 'egotrip', era um jeito de me reconciliar com a minha história", diz.

Mais do que uma autobiografia, "A alma brasileira do negócio" é uma leitura afetiva e crítica da publicidade, narrada por quem viveu de dentro uma fase em que "a propaganda era movida por sonhos, coragem e otimismo". O livro que nasceu do luto celebra a vida de pessoas, ideias e marcas que ajudaram a construir o imaginário do país.

Lara revisita tempos em que os publicitários se tornaram parte do tecido cultural do Brasil e a publicidade ensinava o país a escovar os dentes, sonhar com o primeiro carro e acreditar no futuro.

"Era um Brasil que acreditava que podia dar certo, e a propaganda era uma forma de ensinar isso", afirma.

Mas o tom nostálgico dá lugar à provocação. Para Lara, a indústria perdeu parte da sua alma ao se tornar refém de métricas, performance e discursos vazios de propósito.

"As marcas ainda precisam emocionar. Só mudaram as linguagens", afirma. Ele também advoga em nome de uma publicidade mais brasileira, com a cara do Brasil. Não pode ser feita "só em frente a um computador, copiando referências cinzas de fora", argumenta, justificando o termo "alma brasileira" do título do livro.

Advogado de formação, Lara se encantou pela comunicação nos anos 1980, inspirado por nomes como Alex Periscinotto e João Doria. Em 1992, fundou a Lew'Lara ao lado de Lewkowicz, naquele momento um profissional de criação já experiente, que trabalhara em agências como Salles e Ogilvy. A Lew'Lara nasceu pequena e tornou-se uma potência, chegando a ser a segunda maior do país.

Naquele início, eram clientes ainda considerados pequenos, algumas marcas como Schin, Banco Real, Natura e Minuano. A campanha do Prêmio Talentos da Maturidade, criada para o Banco Real em 1999, foi uma das primeiras no país a falar de longevidade de forma positiva. Jovem, empreendedor e um pouco "outsider" ("Eu não era um príncipe, como Washington Olivetto", diz no livro), Lara tinha especial talento para construir relações.

"Publicidade é gente", repete, e o livro é povoado por personagens, histórias e relações que revelam o lado humano dos bastidores.

Em 2007, a venda da agência ao grupo TBWA trouxe o reconhecimento que ele buscava - e um vazio que não esperava. "Foi o momento em que eu entendi que o sucesso tem um preço", admite. No livro, ele relata a frustração de ter que se desfazer de marcas que ajudou a construir para integrar o portfólio global da rede.

"Virar para o Carlucci da Natura (Alessandro Carlucci, ex-CEO da Natura) e dizer 'não posso mais te atender' foi como terminar um casamento", lembra. "A relação não era comercial; era afetiva. Era uma troca de confiança."

Depois vieram marcas como Visa, Absolut, Nivea, Nissan, Friboi. A Lew'Lara foi pioneira em transformar um produto até então tratado como commodity - carne - em marca de valor e desejo, com uma grande campanha para Friboi (JBS) estrelada na época pelo ator Tony Ramos, e mais tarde pelo cantor Roberto Carlos.

"A Friboi foi um divisor de águas", conta Lara. "Conseguimos mostrar que o brasileiro tinha orgulho do que colocava na mesa. Foi a primeira vez que a carne ganhou identidade, voz e propósito na comunicação."

A estratégia reposicionou o segmento de carnes no país e abriu caminho para a criação de outras marcas no setor, mudando a forma como o brasileiro passou a consumir e perceber qualidade.

O livro também é um acerto de contas com o presente. Lara fala da necessidade de resgatar o sentido da comunicação em um ambiente dominado por tecnologia e performance.

"A publicidade brasileira sempre foi reconhecida por sua criatividade e emoção. Hoje, precisamos de coragem para voltar a emocionar", afirma.

Entre memórias e reflexões, o autor discute ética, propósito e legado. Para ele, o futuro das marcas passa por uma nova lógica de impacto. Impacto este que a agência que fundou já abordava, naquele começo, na comunicação de marcas como Natura e Banco Real.

"As empresas não podem ser apenas boas. Elas precisam fazer o bem, com método e mensuração. O lucro é importante, mas o impacto é o que vai garantir relevância."

Inquieto e ainda "workaholic", Lara divide o tempo entre as atividades no grupo TBWA, a presidência do Conselho do Cenp (Fórum de Autorregulamentação do Mercado Publicitário), a Assembleia Geral da ESPM e a sua consultoria de advocacy e comunicação, a To Be Good, que atende a três clientes.

Ao falar de propósito, ele evita o tom messiânico.

"Não é sobre ser bonzinho. É sobre fazer o bem de forma estruturada. As marcas precisam entender o impacto que geram - econômico, social e simbólico", conclui.

Escrito em apenas três meses, o livro nasceu de longas conversas entre ele e Guaracy. "Mesmo se ninguém ler, eu tô feliz", diz, com a serenidade de quem escreve não para convencer, mas para compreender.

Valor
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/10/13/luiz-lara-quer-de-volta-uma-publicidade-que-emocione.ghtml