Lula: presidente dará destaque à retomada e expansão de programas sociais - Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo - 30/9/2025 |
Lula reforça comunicação para se aproximar do eleitorado evangélico

Lula reforça comunicação para se aproximar do eleitorado evangélico

Governo irá usar a estratégia de 'massificar' informação sobre as ações da gestão, com entrevista e discurso mais alinhado aos valores dos grupos religiosos


Por Sofia Aguiar e Renan Truffi

A pouco menos de um ano para as eleições de 2026, o governo Luiz Inácio Lula da Silva coloca em prática uma estratégia para se aproximar do eleitorado evangélico e quebrar as resistências dessa parcela da população ao PT. O segmento continua a ser um dos pilares do eleitorado do ex-presidente Jair Bolsonaro. No entanto, a avaliação no Palácio do Planalto é que o contexto eleitoral do próximo ano é menos hostil do que o de 2022, quando Lula tinha acabado de retornar à vida política, não possuía ações recentes para apresentar e era alvo de "fake news".

Um novo aceno importante ao segmento também pode ser dado em breve. Na semana passada, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), anunciou a aposentadoria e, com isso, abriu uma vaga para Lula indicar um novo nome à Corte. Um dos favoritos é o advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, que é evangélico e dialoga bem com as principais lideranças neopentecostais.

Lula, no entanto, é contra usar a religião como instrumento político e, portanto, se recusa a ir a igrejas e discursar, por exemplo. Para contornar isso, o governo irá usar a estratégia de "reforçar e massificar" a informação sobre ações da administração federal para que a aproximação com o segmento aconteça de maneira quase espontânea.

A expectativa é que Lula dê mais entrevistas voltadas a esse público e, em paralelo, a comunicação oficial faça adaptações com um discurso mais alinhado aos valores dos grupos religiosos. Com o mote da "esperança" e destacando a retomada e expansão de programas sociais, a ideia é reforçar a imagem de que a gestão petista representa uma vida melhor para as famílias, a partir de conceitos comumente disseminados entre os cristãos, como justiça, amor ao próximo e união.

O primeiro passo será rebater as notícias falsas que circularam durante o período eleitoral. Em 2022, por exemplo, foram divulgadas mensagens sugerindo que Lula teria feito postagens afirmando que iria fechar igrejas que não realizarem casamentos homoafetivos. As publicações, porém, nunca existiram. A estratégia do governo será reforçar que, apesar das alegações, essas situações não se concretizaram neste terceiro mandato.

Em outra frente, o objetivo é colocar a história de Lula como uma espécie de "testemunho" sobre superação, uma prática comum em templos neopentecostais. Ao destacar pontos da vida do presidente e compará-los com a atual fase, o governo pretende promover uma narrativa de ascensão social e econômica.

Outro ponto é relacionar os programas federais a ideais religiosos. Um exemplo é o projeto que amplia a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, aprovado pela Câmara e apresentado como um instrumento de justiça social. O mesmo valerá para os programas Gás do Povo e o Bolsa Família. Já as medidas para ampliar o acesso ao programa habitacional Minha Casa, Minha Vida representariam uma "defesa da família".

Tais pontos já estão sendo colocados em prática por Lula. Em agosto, o presidente concedeu uma entrevista ao podcast "Papo de Crente", da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. A conversa durou cerca de uma hora e foi articulado pela primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja.

Na ocasião, ele defendeu que os políticos têm que ter compromisso e colocar o povo mais necessitado no "centro das decisões". "O povo pobre não precisa de favor, mas de oportunidade", disse, acrescentando que sua função é "cuidar" daqueles que mais precisam - e não governar.

O papel de Janja

Janja, aliás, tem desempenhado um papel central como interlocutora e construtora do diálogo entre o governo e o segmento. Nos últimos meses, ela intensificou as conversas com líderes e fiéis, com um foco especial nas mulheres evangélicas.

A primeira-dama esteve recentemente com Nilza Valéria, representante da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, para entender a visão em relação da população à gestão federal. Na ocasião, foi avaliada a importância de abrir esse diálogo entre o governo e os religiosos, além de promover uma série de encontros pelo Brasil.

O intuito dessas reuniões, geralmente realizadas por Janja com grupos de até cem mulheres, é o de ouvir como as políticas públicas do governo petista estão impactando a vida delas e de suas famílias e comunidades. Entre os temas abordados, cita uma fonte, estão saúde, educação, violência de gênero e moradia. Com a articulação da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, já foram promovidos encontros em diferentes cidades e os próximos devem ocorrer no Norte e no Sul do país.

Em agosto, Janja participou de encontros em Salvador. Em sua fala, ela combinou referências religiosas com a promoção dos programas sociais do governo, reforçando o compromisso da administração federal com a melhoria das condições de vida para as famílias. "De mãos dadas com mulheres de fé, vamos desenvolver soluções e políticas que façam bem para o nosso povo, avançando por um projeto de nação que preza por justiça social", afirmou na época.

Paralelamente ao trabalho liderado pelo governo, o PT também tenta fortalecer a interlocução entre o partido e a comunidade. Em maio deste ano, a legenda lançou um curso gratuito online chamado "Fé e democracia para militância evangélica brasileira". A iniciativa durou um mês, com aulas semanais, e foi voltada a filiados, dirigentes e militantes da sigla.

A partir disso, o partido se movimenta para regionalizar a discussão. Segundo interlocutores da legenda, a primeira etapa do movimento foi ensinar a militância, já a segunda será distribuir conteúdo sobre o tema.

O pastor Luís Sabanay, membro do Diretório Nacional do PT e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Religião da Fundação Perseu Abramo, afirmou ao Valor que o curso busca aproximar "fé cristã e democracia, valorizando a identidade evangélica de quem luta por justiça, direitos e igualdade".

Na avaliação do reverendo, em 2022 o PT esteve na defensiva, reagindo a ataques. Já 2026 será focado em investir na formação de militantes e no diálogo com pastores e lideranças. "Mais do que buscar votos, queremos reconstruir laços", comentou.

Ele acredita que a maior dificuldade de Lula em relação a esse eleitorado é a desconfiança que ainda persiste. Na visão do reverendo, isso é alimentado por setores da extrema direita que tentam apresentar o PT como "inimigo da fé". "Essa barreira, marcada por preconceito e até por intolerância religiosa, não se supera de um dia para o outro. É preciso tempo, coerência e presença constante junto às comunidades", apontou.

Valor
https://valor.globo.com/politica/noticia/2025/10/13/lula-reforca-comunicacao-para-se-aproximar-do-eleitorado-evangelico.ghtml