Brasil já prepara cenário após ataque dos EUA à Venezuela - Foto: Cristian Hernandez/AP |
Brasil já prepara cenário após ataque dos EUA à Venezuela

Brasil já prepara cenário após ataque dos EUA à Venezuela

Movimentações do Planalto são para convencer Maduro a medir as respostas a uma ação americana com bombas ou mísseis


Por Marcos de Moura e Souza - De São Paulo

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem atualmente como seu objetivo número 1 na frente internacional evitar bombardeios dos Estados Unidos contra o território da Venezuela. No Palácio do Planalto, a avaliação é que o país de Nicolás Maduro está diante da ameaça iminente de ataques militares americanos.

Lula, segundo o relato de assessores do presidente, leva em conta um cenário em que o Brasil ainda pode ajudar a costurar um entendimento entre Caracas e Washington.

Mas, à medida que os EUA intensificam seus movimentos em direção ao início de ataques, um segundo passo já está sendo considerado. Seria, de acordo com assessores do presidente brasileiro, uma atuação de Brasília para convencer Maduro a medir as respostas a um ataque com bombas ou mísseis dos EUA, de modo que a reação venezuelana não alimentasse uma intensificação das ações americanas.

Outro passo já nos cálculos no Planalto é redobrar esforços em conversas com Washington para que caso os bombardeios de fato ocorram eles se limitem a uma primeira investida e não prossigam contra mais alvos no país vizinho.

A situação da Venezuela foi um dos temas que Lula incluiu na conversa que teve com Donald Trump na semana passada. Os outros dois foram tarifas e sanções contra ministros do Supremo Tribunal Federal.

O presidente americano, no entanto, de acordo com o resumo divulgado da conversa, não quis se prolongar em relação a seus planos para a Venezuela.

Há semanas navios militares estão no mar do Caribe, entre eles o porta-aviões USS Gerald Ford, a maior embarcação da Marinha americana. A frota está em águas internacionais, em uma região próxima da Venezuela.

Diversas embarcações que a Casa Branca diz serem de traficantes venezuelanos rumo os EUA já foram bombardeadas, deixando dezenas de mortos.

Além da mobilização militar, Trump adicionou dois alertas: declarou que todos deveriam considerar o espaço aéreo venezuelano fechado e orientou cidadãos americanos a deixarem o país.

A avaliação de assessores de Lula é que um ataque americano à Venezuela teria, provavelmente, como alvo não edifícios do governo ou militares, mas locais que os americanos anunciem como sendo laboratórios de produção de cocaína.

Embora não seja produtora da droga, a Venezuela tem servido como um dos corredores da cocaína vinda, principalmente, da Colômbia. Os outros dois produtores são Peru e Bolívia. Os três concentram praticamente toda a produção mundial dessa droga.

O governo americano acusa Maduro de ser o chefe de uma gangue de narcotraficantes internacionais que abastecem o mercado americano de cocaína. Mas a pressão americana é vista não como apenas guerra às drogas, mas como uma tentativa de levar à queda do regime venezuelano.

Preocupação é que bombardeios abram precedentes para ataques militares dos EUA a outros países da região


Antes da ligação da semana passada, Lula e Trump já haviam conversado por telefone e se reunido na Malásia. No país asiático, Trump ouviu que o Brasil estava disposto a ajudar de alguma forma na intermediação e diálogo com Caracas. Mas a ideia não prosperou.

Ainda assim, o governo brasileiro tem feito chegar a Maduro - por meio dos contatos das embaixadas dos dois países - sua sugestão para que o regime venezuelano se mostre aberto a dialogar com Trump e que evite manifestações que acirrem atritos com Washington.

Não está claro o quanto essa posição de Brasília tem influenciado as posturas de Maduro. O fato, no entanto, é que ele têm realmente adotado um tom moderado, falando em paz e diálogo. Maduro e Trump chegaram a conversar por telefone.

Nada disso, no entanto, fez remover as preocupações no Palácio do Planalto em relação à aparente proximidade de início de bombardeios americanos contra um país com o qual o Brasil tem um fronteira de 2 mil quilômetros.

Durante a COP30, em Belém, integrantes de governos estrangeiros também partilharam suas preocupações em conversas com autoridades do Brasil. A movimentação americana acende luz amarela na França, em função da Guiana Francesa. A Holanda também se mostra preocupada, devido à sua presença no Caribe.

No caso do início de bombardeios americanos à Venezuela, uma possível articulação do Brasil e de outros países, que passariam a agir como bombeiros para reduzir as tensões, é uma ideia que já circula no Planalto, segundo assessores de Lula.

Essa articulação enfrentaria resistências na América do Sul, uma vez que o regime de Maduro é fortemente criticado pelo atual presidente da Argentina, Javier Milei. O Paraguai e possivelmente a Bolívia, que acaba de eleger um governo de direita, tampouco estariam dispostos a formar consenso na região contra a pressão americana.

As ameaças feitas por Maduro, no ano passado e que duraram várias semanas, de tomar parte do território da vizinha Guiana minaram a simpatia que ele poderia angariar na região.

Mesmo com o Brasil - governado pela esquerda -, as relações da Venezuela se desgastaram pelo fato de Brasília até hoje não ter reconhecido a legitimidade da vitória de Maduro no pleito de julho de 2024.

Na época, dados os questionamentos de Brasília, o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, o deputado Jorge Rodríguez, chegou a ameaçar levar à votação uma moção para que a Venezuela declarasse como persona non grata o assessor especial de Lula para temas de política externa, Celso Amorim.

O governo brasileiro tampouco mantém um diálogo fluido com a principal adversária de Maduro, a recém-vencedora do Nobel da Paz, Maria Corina Machado.

Há três preocupações centrais em relação a um eventual ataque dos EUA à Venezuela.

Uma delas diz respeito a uma possível fuga em massa de venezuelanos para o Brasil e para outros vizinhos, algo com potencial de impactar seriamente a região. Outra preocupação é que bombardeios abram precedentes para ataques militares americanos a outros países da região, sob o pretexto de guerra às drogas.

Mas assessores de Lula colocam ainda um terceiro elemento no tabuleiro: uma eventual queda de Maduro promovida pelos EUA colocaria a Venezuela e a região diante da dúvida sobre o que viria depois. A leitura no Planalto é que assim como o atual regime carece de legitimidade, dificilmente algum líder da oposição teria a capacidade de promover um ambiente de união nacional.

Valor
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/12/08/brasil-ja-prepara-cenario-apos-ataque-dos-eua-a-venezuela.ghtml