Diante das idas e vindas do ministro da Fazenda e das discussões de bastidores, a taxação dos movimentos de capital apenas teria sido descartada devido à oposição do presidente do Banco Central | Imagem: Foto: Wilton Junior/Estadão
Mais do que uma trapalhada: governo parece disposto a voltar a controlar o movimento de capitais

Mais do que uma trapalhada: governo parece disposto a voltar a controlar o movimento de capitais

Se conseguir controle sobre o movimento de capitais, governo terá controle sobre o câmbio e liberdade para uma política expansionista

Por José Márcio de Camargo

A decisão do Ministério da Fazenda e do Planejamento e Orçamento de aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre investimentos de fundos brasileiros no exterior; a forma como essa decisão foi apresentada na entrevista coletiva da equipe econômica - anunciando bloqueio e contingenciamento de R$ 31,3 bilhões, mas sem a presença dos dois ministros, que decidiram sair antes do anúncio do aumento do IOF -; a escolha por taxar os investimentos no exterior, com opções muito menos discutíveis como impostos sobre bets, bebidas, entre outros, para gerar aumento de apenas R$ 2 bilhões de receitas para atingir a meta fiscal, geraram forte reação dos investidores.

Após o anúncio do IOF e o cancelamento do aumento do imposto ao longo da madrugada de quinta-feira para sexta-feira, a declaração do secretário executivo do Ministério da Fazenda de que o presidente do Banco Central teria sido informado sobre a medida, que foi desmentida pelo ministro, e os boatos que vieram à tona sobre as discussões de bastidores dentro do governo sobre a possibilidade de tributar os investimentos no exterior desde janeiro de 2025, incomodaram e continuam a incomodar os investidores.

O incômodo dos investidores decorre do fato de que, segundo os bastidores, o governo teria discutido a possibilidade de taxar os investimentos de brasileiros no exterior no auge do processo de desvalorização do real no final de 2024, com o objetivo de voltar a fechar a conta de capitais, e, dessa forma, aumentar o controle sobre o movimento de capitais no País e sobre a taxa de câmbio.

Diante das idas e vindas do ministro da Fazenda e das discussões de bastidores, a taxação dos movimentos de capital apenas teria sido descartada devido à oposição do presidente do Banco Central. Porém, a escolha dessa alternativa na semana passada indica que o governo parece disposto a voltar a adotar controles sobre o movimento de capitais no País.

A maior volatilidade dos preços dos ativos financeiros e a tendência à desvalorização do real, aumento das taxas de juros e queda nos preços das ações, indicam que os investidores continuam desconfortáveis.

Se o governo conseguir controle sobre o movimento de capitais, terá controle sobre o comportamento da taxa de câmbio, e, assim, mais liberdade para fazer uma política fiscal mais expansionista, com menos preocupação com as metas fiscais e com as desvalorizações do real e seus efeitos sobre a taxa de inflação no curto prazo. O episódio foi mais que uma trapalhada.


Opinião por José Márcio de Camargo
Professor aposentado do Departamento de Economia da PUC-Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos

O Estado de S.Paulo
https://www.estadao.com.br/economia/jose-marcio-camargo/mais-que-uma-trapalhada/