Cartões postais de filmes clássicos dos cinemas americano, francês e italiano - Heloisa Seixas |
'O Leopardo?' Não. 'Il Gattopardo', por Ruy Castro

'O Leopardo?' Não. 'Il Gattopardo', por Ruy Castro

Os críticos de cinema dos anos 1960, deliciosamente esnobes, só tratavam os filmes pelos títulos originais

Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras

Em coluna recente sobre cinema, ousei afirmar que, em alguns casos, o título brasileiro dado a um filme estrangeiro era melhor que o original. E citei como exemplos "Matar ou Morrer" (1951), muito melhor que "High Noon", e "Os Brutos Também Amam" (1953), disparado mais atraente do que "Shane", que era apenas o nome do herói. Mas isto é o que penso hoje. No passado, influenciado por meus amigos críticos de cinema aqui no Rio -Antonio Moniz Vianna, Salvyano Cavalcanti de Paiva, Sergio Augusto, Paulo Perdigão, Ely Azeredo, José Lino Grünewald-, só me referia aos filmes por seus títulos de origem. Com isso, "Shane" era "Shane" mesmo e "High Noon", "High Noon".

Era um delicioso esnobismo da parte deles, condizente com as grandes críticas que publicavam em seus jornais -posso garantir que, em conhecimento e visão do cinema, os críticos brasileiros dos anos 1960 não deviam nada a ninguém no Cahiers du Cinéma. E dá-lhe de se referirem aos hitchcockianos "Psicose" (1960) como "Psycho" [pronunciado "Sái-cou"] e a "Os Pássaros" (1963) como "The Birds".

Até aí, tudo bem. Mas era assim também com os filmes franceses. "Acossado" (1959), de Jean-Luc Godard, era, naturalmente, "À Bout de Soufle". "Uma Mulher Para Dois" (1961), de François Truffaut, "Jules et Jim". E "O Ano Passado em Marienbad" (1961), de Alain Resnais, "L'Année Dernière à Marienbad". Com os italianos, nem se fala. "A Doce Vida" (1960), de Fellini, era "La Dolce Vita". "A Noite" (1961), de Antonioni, "La Notte". E "O Leopardo" (1963), de Visconti, "Il Gattopardo".

Nem o sueco Ingmar Bergman nos assustava: "Morangos Silvestres" (1957) era "Smultronstället". Ou o polonês Andrzej Wajda, pronunciado "Ândiei Váida": "Cinzas e Diamantes" (1958) era "Popiol i Diament" -estrelado, claro, por Zbigniew Cybulski (Ij-bíguinièv Chibúlski).

O problema às vezes era o japonês Kurosawa. "Rashomon" (1950) era tranquilo: "Rashomon". Mas "O Homem Mau Dorme Bem" (1960) assustava os neófitos: "Warui Yatsu Hodo Yoko Nemuru".

Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2025/08/o-leopardo-nao-il-gattopardo.shtml