Lula deixou de lado os conflitos geopolíticos com Trump. A proposta de moeda comum dos países do Brics, que irrita Washington, por exemplo, sumiu dos pronunciamentos
O primeiro encontro entre o chanceler Mauro Vieira e o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, marcou o início efetivo da tentativa de reaproximação diplomática entre Brasília e Washington, após meses de tensão gerada pelo tarifaço de 50% imposto pelo governo Donald Trump sobre produtos brasileiros. Ontem, na Casa Branca, a reunião representou o passo inaugural de um processo de negociação complexo, que envolve não apenas o comércio bilateral, mas, também, divergências de natureza política, ambiental e estratégica entre os dois países.
Segundo diplomatas brasileiros da missão, o clima foi "amistoso e construtivo". A reunião começou com uma conversa reservada de 15 minutos entre Vieira e Rubio e prosseguiu com um encontro ampliado, que contou, do lado brasileiro, com os embaixadores Maurício Lyrio, Philip Gough e Joel Sampaio, e, do lado americano, com o representante comercial Jamieson Greer. O pano de fundo era o tarifaço - medida que afetou setores industriais e agrícolas e agravou o deficit comercial do Brasil com os Estados Unidos, um dos seus principais parceiros econômicos.
Vieira reiterou a posição expressa pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua conversa telefônica com Trump, na semana anterior: a revogação das tarifas e das sanções contra autoridades brasileiras, como a cassação de vistos e a inclusão de nomes na chamada Lei Magnitsky. "É o início de um processo de negociação que exigirá paciência e pragmatismo", disse o chanceler. O Itamaraty trabalha para que a reversão das medidas ocorra gradualmente, dentro de um acordo mais amplo sobre investimentos e cooperação tecnológica.
O encontro teve também valor simbólico. Diferentemente da conversa secreta de julho, quando Rubio e Vieira se reuniram discretamente em um escritório próximo à Casa Branca, desta vez ambos se deixaram fotografar diante do retrato do diplomata John Hay, referência histórica da diplomacia norte-americana. O gesto sinaliza uma tentativa de distensão e um novo tom nas relações.
Segundo o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira, responsável pela operação de marketing realizada pelo governo para mobilizar a opinião pública brasileira contra o tarifaço, "o Brasil negocia com foco no comércio, firmeza na soberania e leveza no tom". O entendimento foi traduzido por Lula com duplo sentido: "Não pintou química, pintou uma petroquímica com Trump". Há grande interesse das petroleiras norte-americanas no petróleo brasileiro.
A frase tem como pano de fundo a exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, no Amapá, que Lula, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), defendem. Entretanto, a região possui uma vasta biodiversidade que poderia ser afetada em caso de um possível derramamento de óleo, o que preocupa ambientalistas.
Foco comercial
Lula deixou de lado os conflitos geopolíticos com Trump. A proposta de moeda comum dos países do Brics, que irrita Washington, por exemplo, sumiu dos pronunciamentos. O objetivo é concentrar esforços na pauta comercial. Durante encontro com o presidente argentino Javier Milei, o presidente norte-americano já sinalizou que pretende que o Brasil desista dessa iniciativa, uma preliminar para destravar as negociações tarifárias.
Enquanto o diálogo diplomático avança, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou a criação do Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), que terá papel estratégico nas tratativas com os Estados Unidos. A medida foi interpretada como um gesto de alinhamento à nova agenda bilateral, voltada aos minerais críticos - como nióbio, cobre, urânio e terras raras -, considerados vitais para a indústria de tecnologia e defesa norte-americana.
"O Brasil tem uma janela de oportunidade histórica para gerar sinergia com os EUA nesse campo", afirmou Silveira, durante a instalação do CNPM, que contou com a presença de Lula e do ministro Rui Costa (Casa Civil). A coincidência entre a reunião do conselho e o encontro na Casa Branca não passou despercebida. O interesse de Trump em garantir acesso a minerais estratégicos latino-americanos é antigo e foi um dos pilares de sua campanha de reindustrialização e autonomia tecnológica dos EUA.
Nesse contexto, a nova rodada de negociações pode resultar num acordo que combine concessões comerciais com parcerias em setores de alto valor agregado - desde a transição energética até a produção de semicondutores. No entanto, o caminho é íngreme e pedregoso. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já reconhece que "a mistura entre política e economia foi o erro mais grave" nas relações recentes com os EUA.
Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/vieira-e-rubio-dao-a-largada-na-negociacao-para-reverter-tarifaco-de-50/