Operários trabalham em linha de montagem de motocicletas em fábrica da Zona Franca de Manaus (AM) - Lalo de Almeida/Folhapress |
A fantasia da redução da jornada de trabalho

A fantasia da redução da jornada de trabalho

  • Abraçado por Lula, fim da escala 6x1 ganha força na pauta eleitoral sem estudos técnicos de viabilidade
  • Leis não são capazes de criar vagas e remunerações desejadas; regulações irrealistas podem gerar informalidade ou até perda de renda

A esquerda teve mau desempenho nas eleições municipais do ano passado, conquistando o menor número de capitais desde a redemocratização. Mas descobriu, ao menos, uma bandeira potencialmente eficaz nas urnas do Rio de Janeiro.

Na cidade, o neófito Rick Azevedo, à época perto de completar 31 anos de idade, tornou-se o vereador mais votado do PSOL e o 12º entre os que disputaram as 51 vagas na Câmara Municipal. O sucesso inesperado se deveu a uma campanha na internet pela redução da jornada de trabalho -em particular, contra a escala de seis dias de labuta e uma folga semanal permitida por lei.

O filão foi logo explorado, antes de qualquer debate ou estudo técnico. Em fevereiro deste ano, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) protocolou uma proposta de emenda constitucional (PEC) para reduzir a carga máxima de trabalho a 36 horas semanais, em vez das 44 fixadas na Constituição, e impondo três dias de folga por semana.

No Senado, saiu do limbo uma PEC de teor semelhante apresentada dez anos atrás por Paulo Paim (PT-RS), decano da demagogia parlamentar. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou a proposta neste mês.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tratou o assunto com certa cautela inicial, defendendo apenas que ele fosse examinado. Já em seu pronunciamento natalino desta semana, disse que o fim da jornada 6x1 é uma "demanda do povo" que precisa ser transformada em realidade -"sem redução de salário", claro.

Ora, é justo e correto que, entre todos os mercados, o de trabalho seja o mais regulado, dada a frequente assimetria de poder econômico entre empregadores e empregados. É fantasioso, porém, imaginar que leis sejam capazes de criar vagas e remunerações nas condições desejadas.

Fosse assim, o menor salário do país seria de R$ 7.000 mensais (calculados pelo Dieese para atender as determinações da Constituição), homens e mulheres teriam os mesmos rendimentos, pagamentos em 13 parcelas ao ano, em vez de 12, fariam trabalhadores brasileiros mais ricos -e os próprios limites hoje existentes para a jornada de trabalho seriam cumpridos por todos.

Regulações irrealistas, instituídas por boas intenções ou oportunismo político, muitas vezes resultam em informalidade, que aqui ronda elevadíssimos 38% dos ocupados, segundo dados do IBGE. Em outros casos, são simplesmente contornadas, dado que o poder público não tem como fiscalizar a rotina de toda a população ativa. Nas piores hipóteses, geram queda de renda.

Sabe-se que políticos das mais variadas orientações hesitarão em questionar uma proposta de apelo popular imediato, ainda mais no ano eleitoral prestes a começar. Não é pequeno o risco de um debate pouco fundamentado que venderá ilusões à sociedade, enquanto problemas econômicos muito mais prementes são deixados de lado.

Folha e S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2025/12/a-fantasia-da-reducao-da-jornada-de-trabalho.shtml