- Gigantismo do financiamento público, associado a emendas orçamentárias, sabota representação popular
- Deve-se retomar a premissa de que partidos são agentes da sociedade, não do Estado, e na sociedade deveriam obter os seus recursos
O sistema de financiamento explícito e implícito de campanhas no Brasil desenvolveu anomalias e incentivos adversos que têm contribuído para distanciar a representação política do objetivo de refletir as demandas da sociedade e para aproximá-la de grupos desinteressados pelo bem comum.
Num exemplo clássico da mania das autoridades nacionais de combater um excesso com a criação de outro excesso, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional, em 2015, a contribuição financeira de empresas para candidaturas eleitorais.
Tratou-se de mais uma interpretação heterodoxa da Constituição, em que a corte pretendeu fazer as vezes de legislador e atuar como instância retificadora dos problemas nacionais. Daquela feita os ministros estavam incensados pelo clima, então favorável, à Lava Jato. Depois a maioria mudou de ideia, mas as doações empresariais continuaram proibidas.
A comunidade política não se frustrou com o julgamento, porque rapidamente entendeu que tinha carta branca da corte máxima para afundar o pé no acelerador do financiamento público de campanhas. Os fundos eleitoral e partidário de 2026 preveem desembolsos recordes e nababescos que ultrapassarão R$ 6 bilhões.
Em paralelo a isso, deputados federais e senadores transformaram as verbas discricionárias do Orçamento da União no seu território exclusivo de caça. Hoje determinam a execução de R$ 60 bilhões anuais, recursos de escassa eficiência para as políticas públicas federais e de difícil rastreio.
Nesses dois movimentos, as oligarquias partidárias abocanharam dezenas de bilhões de reais que, a cada ciclo, são utilizadas preponderantemente sob a lógica da perpetuação de seu poder.
O crime e a corrupção, que se quiseram combater fechando as portas ao financiamento empresarial, entram por outras passagens que foram escancaradas.
A malversação de emendas dá ensejo a frequentes operações da Polícia Federal contra congressistas. O dinheiro do crime organizado, que não encontra barreiras como as que foram erguidas contra as corporações do setor legal, irriga as contas, dentro e fora das campanhas, daqueles que, em governos e parlamentos, defendem a sua agenda de delinquências.
Da forma como o amálgama entre emendas e fundos eleitorais se reforça pelas regras criadas por quem tem interesse na sua permanência, quanto mais se espera para combater o problema, mais difícil será a tarefa.
É preciso retomar a premissa, de resto óbvia, de que partidos são organizações a serviço da sociedade, não do Estado, e na sociedade deveriam se financiar.
Restabelecer, talvez via reforma constitucional, a doação eleitoral por empresas -desde que transparente e limitada a valores monetários razoáveis- e reduzir fundos públicos de campanha e emendas parlamentares tornaria o sistema mais representativo da sociedade e menos do cartorialismo, da ineficiência e do crime.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2025/12/e-preciso-retomar-a-doacao-eleitoral-de-empresas.shtml





