Interior do Grand Dabbang - Divulgação |
Três lugares para se fazer enoturismo urbano em Buenos Aires

Três lugares para se fazer enoturismo urbano em Buenos Aires

  • Cidade oferece diversidade de uvas e regiões produtoras em bares e restaurantes
  • Grand Dabbang, Ness e El Preferido de Palermo têm boas cartas de vinho

Isabelle Moreira Lima

Estão certos os que dizem que o enoturismo é o futuro do vinho. Anda cada vez mais fácil (ao menos do ponto de vista da oferta) embarcar em viagens enogastronômicas. Elas não se restringem mais a dias idílicos em regiões produtoras, curtindo vinho na fonte. A difusão da educação sobre a bebida tem criado o ambiente perfeito para que os amigos de Baco sejam felizes também quando viajam para os grandes centros.

É nas grandes cidades, afinal, que se conhece melhor o vinho de um país. Em Buenos Aires, por exemplo, se bebe com mais diversidade do que em Mendoza ou em Salta, que oferecem vinhos quase que exclusivamente feitos em seu terroir.

Um giro por bares e restaurantes portenhos mostra como, na última década, a comida e a produção de vinhos do país mudaram. Na comida, vai-se muito além da carne de boi. Na bebida, muito além da malbec.

Exemplo mais radical é o Grand Dabbang, do chef Mariano Ramón, que depois de começar com Francis Mallmann e dar um giro pela Ásia, abriu seu restaurante com sotaque indiano e clima superdespojado em Palermo, há 11 anos, com ótimo custo-benefício.

A carta de vinhos inclui muita coisa leve, festiva e fresca. Há poucas opções em taça, mas o que há em oferta é do tipo que se bebe fácil e rápido, ou pelo menos foi o que aconteceu comigo, que escolhi o laranja da Paso a Paso, vendido no Brasil pela Premium Wines. Com um caráter floral bem marcado, casou muito bem com a comida cheia de especiarias e um pouco picante.

Esse restaurante me fez pensar muito sobre a combinação pão e vinho, que a princípio parece tão europeia, tão pão-baguete e vinho-tinto. Isso porque, ali, Ramón faz todo tipo de pão chato (contei cinco deles) e serve também todo tipo de vinho, 27 rótulos no dia da visita, desde pét nat de Sauvignon Blanc (Bodega Casa Tano) até um Carignan (Alma Gemela, Onofre Wines). Pão e vinho combinam no mundo inteiro e é uma beleza ver o encontro de culturas diferentes de forma tão harmoniosa.

Mais elegante, o Ness é uma experiência que impressiona, ao servir pratos superelaborados, com muitos ingredientes locais, sempre algo fermentado, tudo feito na brasa ou na lenha (o fogão a gás só prepara os caldos). A carta tem quase 40 rótulos, sendo 14 em taças. Há desde os vinhos de entrada até os equivalentes a grand cru, além de simpáticos (e deliciosos) vinhos da casa. Meus destaques foram o espumante Finca Ambrosía Brut Nature, um blanc de blancs de Gualtallary, no Vale de Uco; o corte branco de Córdoba Socavones 2023; e o Cara Sur Criolla Chica feito para a casa.

Outro ponto alto é o serviço, capitaneado pelo dinamarquês Bertil Tøttenborg, que fez carreira na Bolívia, casou-se com uma brasileira e atende em português fluente. Quem assistiu a "O Urso" pode pensar logo em Richie, primo de Carm vivido por Ebon Moss-Bachrach. É com alguém como Tøttenborg que ele estagiaria.

O tíquete médio de um lugar como o Ness pode sair meio alto, mas a boa notícia é que há um bar de vinhos na entrada da casa, mais despojado, com DJ e pratinhos leves, além de uma bela seleção de taças, para fazer uma noite mais descompromissada e divertida.

Agora, a experiência mais extrema do vinho argentino pode ser vivida no El Preferido de Palermo, irmão mais novo do estrelado Don Julio (vale lembrar que Pablo Rivero, que comprou o Preferido e o reformulou, é sommelier de formação). Trata-se de um restaurante perfeito para que se mergulhe na carta e que se interrogue os sommeliers de plantão. Treinadíssimos, eles conhecem bem os produtores e a atual cena.

Foi lá que descobri, há um ano, uma cena forte de vinhos argentinos feitos com caráter mais oxidativo, como os do Jura e os de Jerez, brancos estruturados e com notas amendoadas. Entre eles estão o Cara Sur Blanco Bajo Velo de Flor e o Piedra Liquida Sorela Sauvignon Blanc. Na minha última visita voltei a provar alguns desses rótulos, bem como incríveis pinot noir vindos de Mendoza, da Patagônia e até de Buenos Aires (acompanhados dos melhores cogumelos que comi na vida), como o Terruño de Caldera e o Vórtice. Também provei tintos mais encorpados como o Magna Montis Beaujolais e o Ale Pepa Garnacha.

Para quem gostou da ideia e pretende apostar no enoturismo portenho, vale também visitar o Niño Gordo e o Mengano, em Palermo, e dar um pulinho na loja Vino El Salvador, uma graça e um perigo para os que não temem enfiar garrafas e mais garrafas na mala.



Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/isabelle-moreira-lima/2025/12/tres-lugares-para-se-fazer-enoturismo-urbano-em-buenos-aires.shtml