Benjamin Steinbruch no Jockey Club de São Paulo Imagem: Reprodução |
Jockey repassou R$ 7 mi para conta do ex-presidente Benjamin Steinbruch

Jockey repassou R$ 7 mi para conta do ex-presidente Benjamin Steinbruch

Juliana Sayuri e Adriana Ferraz


Informações bancárias obtidas pelo UOL revelam que o bilionário Benjamin Steinbruch, ex-presidente do Jockey Club de São Paulo, recebeu uma transferência de R$ 7 milhões do hipódromo em uma conta pessoal.

O dinheiro tem natureza pública -ele é derivado de uma espécie de indenização concedida pela Prefeitura de São Paulo a imóveis tombados para uso exclusivo em projetos de restauração.

Procurado, o Jockey afirma que o depósito se refere ao reembolso de "um adiantamento de caixa" feito por Steinbruch (leia a nota na íntegra).

A transferência foi informada pelo Bradesco, por intimação da Justiça, no âmbito de uma ação contra o Jockey.

No dia 16 de dezembro de 2019, o Jockey recebeu R$ 9 milhões da Partifib Projetos Imobiliários, empresa da família Steinbruch.

Segundo documentos acessados pela reportagem, foi uma operação que teve o empresário nas duas pontas: como dirigente do clube e como empresário interessado no negócio.

Steinbruch autorizou, como presidente do Jockey, a venda de um título emitido pela prefeitura que autoriza a negociação no mercado de áreas correspondentes aos espaços preservados de imóvel tombado -os chamados TDC (Transferência do Direito de Construir).

Quem comprou foi a Partifib Projetos Imobiliários, que faz parte do conglomerado Fibra Experts, do Banco Fibra, que é controlado pela família Steinbruch.

Dos R$ 9 milhões depositados pela incorporadora de Steinbruch na conta do Jockey, R$ 7 milhões foram, quatro dias depois, depositados via TED em uma conta pessoal do empresário no Banco Fibra.

Acordo registrado em cartório entre Jockey, representado por Steinbruch, e Partifib
Acordo registrado em cartório entre Jockey, representado por Steinbruch, e Partifib Imagem: Reprodução

Um dos bilionários mais poderosos do país, Steinbruch presidiu o clube entre 2017 e 2024. Atualmente, integra o conselho de administração. Também é diretor da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e presidente do conselho do Banco Fibra.

"O empresário Benjamin Steinbruch exerceu a presidência do Jockey Clube de São Paulo entre 2017 e 2024 e, atualmente, participa do Conselho de Administração do clube, em mandato que se encerra em dezembro deste ano. Nenhuma das atividades foi remunerada", informa a assessoria de Steinbruch.

"Ao contrário, ao longo de sua gestão aportou recursos próprios destinados à manutenção e ao custeio das atividades tendo como único interesse o amor pelo clube e a preservação do maior complexo art déco do mundo (600 mil m²) e do maior edifício art déco da América Latina (com 40 mil m² de área construída). Os valores questionados são referentes ao ressarcimento desse montante", diz (leia a nota na íntegra).

16.out.2025 | Placas do projeto de restauração largadas entre as Tribunas 1 e 2 do Jockey Club
16.out.2025 | Placas do projeto de restauração largadas entre as Tribunas 1 e 2 do Jockey Club Imagem: Juliana Sayuri/UOL

Não há nos balanços do Jockey de 2017 a 2019 indicações de aporte na casa de R$ 7 milhões: nos documentos, há indicações de "aportes emergenciais de sócios" (sem identificar quais) de R$ 809 mil em 2017, R$ 148 mil em 2018 e R$ 24 mil em 2019.

Há, sob a rubrica "títulos a pagar", a indicação de empréstimos de sócios, diretores e conselheiros (também sem identificar quais): foram R$ 10 milhões em 2017, R$ 11 milhões em 2018 e R$ 12 milhões em 2019.

Alvo de diversas cobranças na Justiça, com um passivo fiscal de R$ 634 milhões, R$ 15,5 milhões para fornecedores e R$ 3,5 milhões de indenizações trabalhistas, segundo dados que o próprio clube informou nos anexos do pedido de recuperação judicial, o Jockey tem tido as contas bloqueadas e os bens penhorados há anos.

Recursos advindos dos TDCs não poderiam ser utilizados nem para o pagamento de dívidas, nem para ressarcimentos de dirigentes: segundo a lei do Plano Diretor de São Paulo, a finalidade é "preservação de bem de interesse histórico, paisagístico, ambiental, social ou cultural".

"A transferência do direito de construir originada de qualquer imóvel enquadrado como Zepec [Zona Especial de Preservação Cultural] fica condicionada à recuperação e manutenção dos atributos que geraram o seu enquadramento como Zepec", diz a lei.

Bradesco informa à Justiça transações feitas pelo Jockey Club
Bradesco informa à Justiça transações feitas pelo Jockey Club Imagem: Reprodução

As informações do Bradesco foram incluídas em um outro processo que corre na Justiça em 28 de março deste ano. Trata-se de uma ação movida pela empresa Propriedade.

Segundo a acusação, o clube não honrou um compromisso de TDC assinado com a empresa, que pagou pelo negócio um sinal de R$ 323 mil; depois do sinal, o Jockey vendeu o TDC para outro interessado, a Partifib -o Jockey foi condenado a pagar indenização e multa à Propriedade, totalizando R$ 7,8 milhões.

O clube pediu segredo de Justiça em 11 de abril, mas o pedido não foi avaliado até agora.

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Imagem: Arte/UOL

'Onde foi parar o dinheiro?'

Em junho de 2018, o Jockey e a Propriedade assinaram um memorando em que acertaram os termos de um projeto imobiliário para o clube.

O Jockey propôs um negócio à Propriedade: a empresa compraria um TDC, enquanto o projeto não saísse do papel.

Assim que o acordo foi assinado, o clube pediu um "adiantamento" de R$ 323 mil, "valor este que seria necessário para a quitação de dívidas fiscais que estariam atrapalhando a obtenção dos documentos necessários para a continuação do negócio", diz a empresa na ação judicial. A Propriedade pagou.

O Jockey assinou uma confissão de dívida, em que diz que o valor adiantado pela Propriedade seria quitado no futuro com um TDC. Não aconteceu.

Em novembro de 2019, o clube vendeu um TDC de cerca de 40 mil metros quadrados à Partifib por R$ 17 milhões, que englobava a "terra prometida" à Propriedade -que ficou sem o projeto imobiliário, sem o TDC e sem o reembolso do sinal pago de R$ 323 mil.

A Propriedade abriu uma outra ação contra o Jockey para reaver os valores em 2020.

No fim daquele ano, o estatuto do clube foi alterado, acrescentando, no que dizia respeito ao patrimônio imobiliário, a possibilidade de desenvolver negociações "com empresas especializadas" e "participar ou constituir Fundo de Investimento Imobiliário".

O Jockey ofereceu diversos imóveis à Propriedade como penhora --uma garantia de que pagaria a dívida.

Um deles fica em Santo Amaro e foi penhorado quatro vezes; outro na Vila Maria (cinco penhoras); um em Osasco (que já foi levado a leilões), e o hipódromo Boa Vista, em Campinas (três penhoras).

A Propriedade recusou as ofertas, anexando aos autos os documentos de cartório em que constam as penhoras dos imóveis.

Entre 2021 e 2025, a Propriedade pediu à Justiça o bloqueio de bens e uma série de informações bancárias do Jockey. Também pediu para a Justiça intimar Partifib, Banco Fibra, Bradesco e Benjamin Steinbruch.

O juiz autorizou, o Jockey recorreu e, após idas e vindas nos trâmites judiciais, os envolvidos foram intimados.

A Partifib informou, nos autos, que os R$ 17 milhões foram pagos para o Jockey fragmentados em R$ 8 milhões em uma conta no Banco Fibra e R$ 9 milhões em uma conta no Bradesco.

Em dezembro de 2021, a Justiça bloqueou a conta do Jockey no Banco do Brasil, que tinha um saldo de apenas R$ 12 mil.

Até então, a conta no Banco do Brasil era a única do Jockey identificada pelo sistema Sisbajud (Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário).

Acontece que, como transações envolvendo o Bradesco e Banco Fibra já tinham sido registradas nos autos pela própria Partifib, os advogados da Propriedade insistiram no pedido de informações junto aos dois bancos. A Justiça concordou.

Em 27 de dezembro de 2024, o Banco Fibra informou que a conta do Jockey foi aberta em março de 2017 (ano em que Steinbruch assumiu a presidência do clube) e encerrada em abril de 2023. Entretanto, o banco não detalhou transações.

Em 28 de março de 2025, o Bradesco respondeu nos autos, detalhando transações conforme pedido pela Justiça, incluindo a informação da TED de R$ 7 milhões para Steinbruch.

A TED também consta num extrato bancário do Bradesco, posteriormente anexado pelo próprio Jockey nos autos.

Os advogados da Propriedade consideram o caso "intrigante". Conforme citaram nos autos, em agosto deste ano: "Como o Jockey Club de São Paulo [...] não possui valores nas contas bancárias existentes e nem mesmo é capaz de explicar a entrada e saída de rendas como as acima demonstradas, com a alienação de parte de seus TDC's? Onde foi parar o dinheiro?"

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Imagem: Arte/UOL

'Jockey não pode utilizar valores dos TDC's ao seu bel prazer', escreveram os advogados do próprio clube

O TDC é um instrumento que, por lei, permite angariar fundos com a finalidade de preservação de patrimônio -não pode ser empregado para outros fins, como pagamento de contas do dia a dia e impostos.

No entanto, o próprio Jockey se referiu ao menos três vezes ao TDC como fonte de renda, nas ações judiciais lidas pela reportagem.

"Já restou mais do que evidente que a venda dos TDCs perfaz, hoje, uma das principais fontes de renda do JCSP. São dos recebíveis destes ativos que saem os fundos para pagamento de funcionários, fornecedores, contas, impostos e demais compromissos firmados com terceiros", escreveram os advogados do clube, nos autos.

"A situação financeira do Jockey jamais foi segredo e, como já dito, trata-se de fato público e notório de todos que a ré passa por um momento delicado de sua centenária história e, justamente por isso, a alienação de seus TDCs tornou-se tão importante. Mais: tornou-se vital para manutenção de suas atividades e cumprimento de obrigações com seus funcionários e o fisco", diz outro trecho dos advogados do clube.

Estrutura com sinais de degradação atrás da Tribuna 1 do Jockey Club de São Paulo
Estrutura com sinais de degradação atrás da Tribuna 1 do Jockey Club de São Paulo Imagem: Juliana Sayuri/UOL

Ao mesmo tempo, quando a Propriedade perguntou se não poderia ser reembolsada com verbas advindas do TDC, os advogados do clube deixaram claro que sabiam que o destino só poderia ser para restauro.

"O TDC é um instrumento de compromisso que visa restauro e conservação de bens tombados, devendo os recursos dali advindos serem usados diretamente na preservação do patrimônio tombado, na contratação de projetos, execução de obras de restauro e investimento em sua manutenção de forma permanente, conforme art. 123 da Lei Municipal nº 16.050/2014. [...] Ou seja, trata-se do que podemos chamar de 'dinheiro carimbado', cuja destinação é a manutenção do patrimônio tombado [...]. Com efeito, o Jockey não pode utilizar os valores recebidos pelas transações dos TDC's ao seu bel prazer", escreveram.

"O empresário Benjamin Steinbruch possui documentados todos os comprovantes dos valores emprestados ao Jockey Club de São Paulo a título de mútuo, não estando submetidos às regras impostas pelo sigilo fiscal. Entretanto, os documentos se encontram sob a proteção que todo indivíduo possui sobre seus dados fiscais, bancários e pessoais. Os recursos disponibilizados pelo empresário à instituição foram integralmente utilizados na manutenção do Jockey Club de São Paulo", diz a assessoria de Steinbruch.

A assessoria do Jockey afirma à reportagem que a transferência dos R$ 7 milhões para Steinbruch foi regular.

"Os recursos do TDC foram destinados conforme prevê o termo de compromisso assinado com o Departamento do Patrimônio Histórico. O valor adiantado pelo sr. Benjamin Steinbruch, pelo qual foi ressarcido em 2019, tinha justamente a destinação de manutenção do Jockey Club, conforme previsto no termo citado", diz, em nota.

Segundo revelou o UOL, o Jockey está sendo investigado na Controladoria-Geral do Município pela prestação incorreta de contas do TDC: o clube incluiu notas fiscais relacionadas a outro incentivo fiscal (a Lei Rouanet).

No fim de outubro, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a abertura de uma CPI para investigar denúncias de uso indevido de recursos públicos destinados à restauração do patrimônio histórico do clube.

"O Jockey prestou contas com documentos que não comprovam o restauro com recurso de TDC. O Jockey não esclareceu até agora o que foi pedido várias vezes", diz o Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo, em nota. O órgão considera que o clube tratou o assunto com "descaso e deboche".

"Atitudes irresponsáveis como esta podem afetar a credibilidade de um instrumento tão importante para viabilizar o restauro de patrimônio tombado", diz o DPH.

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Imagem: Arte/UOL

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