Por Patricia Kogut
A trajetória dos agentes secretos sempre alimentou o imaginário popular e inspira a literatura e o cinema há décadas. A de Kim Philby é especialmente fascinante. Figura dos altos escalões do Serviço de Inteligência Secreto Britânico (SIS), ele atuou em missões importantes por trinta anos. Até que em 1963, veio à tona um escândalo: Philby tinha sido recrutado pelos soviéticos quando ainda era estudante em Cambridge, nos anos 1930. Ele forneceu à URSS milhares de informações estratégicas, com consequências gravíssimas para o Reino Unido. Quando a verdade foi descoberta, desertou e se instalou em Moscou, onde morreu em 1988. É essa a história real por trás de "Um espião entre amigos". A minissérie de seis episódios chegou à HBO Max e vai agradar quem estava com saudade de um bom enredo de espionagem.
A trajetória de Philby é de conhecimento público e o roteiro se mantém fiel aos fatos adicionando a eles alguma dose de ficção. Sua originalidade está na maneira de narrar os acontecimentos. O eixo central é a relação entre dois melhores amigos, Kim Philby (Guy Pearce) e Nicholas Elliott (Damian Lewis). Um interrogatório atravessa todos os capítulos e funciona como fio condutor. A agente do MI5 Lily Thomas (Anna Maxwell Martin) faz as perguntas. Elliot responde. A conversa se baseia nas gravações feitas em Beirute, num apartamento grampeado pelo SIS. Foi lá que os companheiros passaram alguns dias confinados. Elliot foi designado pela agência para tentar arrancar a verdade de Philby. Os dois falaram muito, beberam e consumiram muitos maços de cigarro. Nenhuma confissão foi arrancada. Uma noite, Philby escapou pelo telhado e seguiu para Moscou. Há mais de um objetivo no inquérito conduzido por Lily. O governo britânico quer saber se Elliot também é agente duplo. E busca entender se a amizade com Philby envolvia, além de lealdade, proteção a seus atos de traição.
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"Um espião entre amigos" faz um jogo permanente de duplicidade. Nenhuma relação é direta, linear ou transparente e isso torna os personagens muito interessantes.
A narrativa evita julgamentos fáceis e valoriza tanto o patriotismo quanto as relações humanas. Tanto que a epígrafe que abre o primeiro capítulo é uma frase de E.M. Forster no livro "Dois aplausos para a Democracia": "Se eu tivesse de escolher entre trair a minha pátria e trair um amigo, esperaria ter a coragem necessária para trair a minha pátria".
A dualidade da trama ganha uma demão adicional com a presença de Damian Lewis no elenco. Afinal, ele viveu outro espião famoso na série "Homeland", o sargento Nicholas Brody. O militar era um traidor - tinha mudado de lado durante os oito anos que passou sob o poder da Al-Qaeda. O ator ganhou o Emmy com o papel. Está muito bem agora novamente.
A produção é, como dizem os ingleses, um slow burner (de lenta combustão), expressão que se aplica às tramas que vão ganhando impulso lentamente. Vale perseverar.
PS: Você também pode gostar dessa série aqui.
O Globo
https://oglobo.globo.com/kogut/2025/08/um-espiao-entre-amigos-uma-historia-real-mas-tao-impressionante-que-parece-ficcao.ghtml