Cotado para ministério, deputado do PSOL lança livro que busca discutir caminhos para a esquerda sair de estado de apatia
Victoria Azevedo
O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) diz que a defesa da justiça tributária e da taxação dos super-ricos, intensificada por governistas nas últimas semanas, tirou o Palácio do Planalto da defensiva pela primeira vez no terceiro mandato de Lula (PT).
Boulos tem protagonizado ataques ao centrão nas redes sociais e reforçado o discurso de "nós contra eles", após a derrubada do decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) pelo Congresso, em junho. O deputado tem sido cotado para assumir um ministério desde maio.
Ele disse em entrevista à Folha que esse debate mostra que a esquerda consegue fazer frente à direita nas redes sociais. A atuação de governistas gerou críticas da cúpula do Congresso e da oposição. Para o parlamentar, o anúncio de Donald Trump de tarifas maiores ao Brasil "tira a máscara da extrema direita".
O deputado lança nesta quinta-feira (17) o livro "Pra Onde Vai a Esquerda?" (Ed. Contracorrente), no qual busca apresentar caminhos para que a esquerda deixe o que ele classifica como um estado de confusão e apatia decorrente da "ascensão meteórica da extrema direita" na última década.
No livro, aponta a retomada do trabalho de base e o reforço da atuação nas redes sociais como caminhos -o que chama de "mão no celular e pé no barro".
ESQUERDA
Na última década tivemos um ascenso da extrema direita no mundo todo e eles foram eficientes em criar uma narrativa de que são contra o sistema. Eles sempre foram representantes políticos do sistema do poder econômico, mas vêm se apresentando como antissistema e convencendo muita gente. A foto da posse do Trump é a maior expressão: os maiores bilionários do mundo estavam lá.Você vê no Brasil uma geração que derrubou a ditadura militar, conquistou liberdades e acreditou que essa era uma página virada quando, de repente, o país passa por um fio por um golpe de Estado. É natural que isso tenha gerado uma perplexidade no campo progressista.
NÓS CONTRA ELES
Se Lula não defender a pauta de isenção do Imposto de Renda e de taxação dos super-ricos, quem vai? Isso não é nenhuma surpresa. Ele está executando o programa pelo qual foi eleito por 60 milhões de brasileiros. Esse é um caminho extremamente importante e que nos tirou da defensiva pela primeira vez em dois anos e meio de governo. A que veio o governo Lula 3? Para impulsionar o debate de justiça social no Brasil.Vimos nessas semanas uma histeria sobre polarização, como se a esquerda tivesse criando isso. Vi o [o presidente da Câmara] Hugo Motta falando que 'a esquerda está criando polarização social'. A polarização no Brasil tem 500 anos, um país que tem esse nível de desigualdade não tem como não ter polarização social e política.
SOBRETAXA DE 50%
O ataque de Trump ao Brasil tira a máscara da extrema direita. Passaram anos usando os símbolos nacionais e agora atuam como traidores da pátria. Passaram anos dizendo que a esquerda quer taxar o povo brasileiro e quem taxa é um aliado deles e com apoio deles. A máscara caiu e só ficou o rastro de hipocrisia. Isso torna ainda mais nítido de qual lado cada um está.[A sobretaxa] deixa as diferenças para todos verem. Lula defende o Brasil, a oposição conspira contra o país. Nós queremos taxar super-ricos, eles apoiam uma taxa contra o povo brasileiro. Não tem fake news capaz de esconder, por isso estão tão confusos e sem narrativa que cole.
PROTESTO NA SEDE DO ITAÚ
Foi uma manifestação simbólica de movimentos sociais que têm a sua autonomia. É absolutamente legítimo fazer uma discussão de que se foi correto, não foi, se o método foi o melhor ou não. O que não é válido foi uma tentativa absurda de comparar com 8 de Janeiro.A manifestação foi no saguão de um banco na Faria Lima que não quebrou nada, não deu nenhum arranhão em ninguém. Não há comparação possível, embora o debate sobre o mérito seja válido.
Como alguém que vem do movimento social aprendi na pele a respeitar a autonomia dos movimentos. Não cabe a mim ser comentarista da atuação do movimento popular brasileiro.
DIGITAL
A luta política mudou e hoje passa inevitavelmente pela disputa nas redes. E a extrema direita entendeu isso mais cedo, botou muita grana e ganhou protagonismo. Até pouco tempo atrás a gente estava tomando de 7 a 1 nas redes. Agora, estamos num momento em que a esquerda mostra que pode fazer frente. Acho que acertamos um tom e temos que seguir em frente nele.A extrema direita foi muito eficiente. Criou quase um abismo entre a realidade do governo Lula e a opinião sobre o governo. Temos os melhores índices econômicos dos últimos tempos, realizações efetivas, mas existe uma percepção social diferente.
EVANGÉLICOS
A esquerda precisa retomar num outro termo o debate com evangélicos. Se for a partir da pauta da diversidade não vai dar certo. A grande maioria dos evangélicos são as mulheres negras das periferias do país, que é a base social histórica da esquerda.Precisa dialogar a partir, por exemplo, de outros valores cristãos. O que é mais cristão: pregar arma para todos ou ter uma política antiarmamentista? Defender igualdade social e valores como a solidariedade ou o individualismo meritocrático e o cada um por si? O que a gente não conseguiu trazer ainda é que também existem pontos importantes de divergência entre a extrema direita e os valores cristãos e evangélicos.
MERCADO
O mercado financeiro no mundo inteiro, não só no Brasil, busca forçar governos eleitos a investirem cada vez menos nas demandas sociais e reservarem cada vez mais recursos para pagar os juros da dívida pública. É a lógica do neoliberalismo, da austeridade fiscal.Há um movimento de chantagem contínua do mercado para tentar levar o governo a tomar medidas impopulares para que ele chegue fraco no ano que vem. Vamos falar o português claro: a Faria Lima tem candidato e ele se chama Tarcísio de Freitas. Tudo o que eles querem é um Bolsonaro que coma de garfo e faca. É o bolsonarismo moderado, uma quimera.
MINISTÉRIO
Sou deputado eleito com 1 milhão de votos e tenho trabalhado para honrá-los aqui no Congresso. A composição da equipe ministerial cabe única e exclusivamente ao presidente. Seria até desrespeitoso da minha parte tratar desse assunto porque a Secretaria-Geral da Presidência tem um ministro, que é o Márcio Macêdo, por quem eu tenho muito respeito. Ainda não defini qual papel vou cumprir nas eleições de 2026, vou definir junto ao meu partido, em diálogo com o presidente Lula.Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2025/07/justica-tributaria-tirou-governo-da-defensiva-pela-1a-vez-em-lula-3-diz-boulos.shtml