Thais Bilenky
Fazia um mês que a Câmara arrastava negociações para votar o projeto para taxar fundos exclusivos e offshores.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tinha proposto novas alíquotas sobre os recursos mantidos pelos super-ricos. O então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cobrava caro pelo apoio.
Era 5 de outubro de 2023 e, numa reunião a portas fechadas, o banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, cravou: "A Câmara vai aprovar". E ainda detalhou: "As alíquotas não vão ser as propostas, vão ser menores."
A informação se espalhou rapidamente. A palavra de Esteves no mercado financeiro tem credibilidade. Investidores de bancos e corretoras têm nela o principal termômetro de Brasília.
Naquele momento, em particular, a palavra dele estava em alta.
A relação próxima de Esteves com Arthur Lira era comentada por toda a Faria Lima.
Se houvesse alguma divergência entre o presidente da Câmara e o ministro da Fazenda, ambos tinham no banqueiro um interlocutor para chegar a um consenso.
O caso da taxação dos super-ricos se enquadrava no tipo de agenda da qual todos poderiam se beneficiar.
Esteves defendeu o projeto de Haddad em privado para Lira. Argumentou a seu favor para outros agentes do mercado e aconselhou seus clientes a aderirem e pagarem os impostos. Eram bilhões e mais bilhões administrados pelo BTG. Se ele avalizava, a medida ganhava ampla adesão, abrindo caminho para sua aprovação.
Vinte dias depois da previsão do banqueiro, a medida passou. E com alíquotas menores, como Esteves previu.
A dinâmica meio funcional, meio tensa que se formou entre ministro, deputado e banqueiro colheu vitória atrás de vitória em 2023: reforma tributária, voto de qualidade do Carf, arcabouço fiscal.
Esteves fazia elogios rasgados a Haddad, mas não economizava nas críticas ao governo Lula.
Várias foram as vezes em que as divergências do banqueiro voaram da Faria Lima até o gabinete presidencial.
Adversários do ministro faziam arder o fogo da intriga, soprando dúvidas sobre a proximidade dos dois no ouvido de Lula.
Em setembro de 2024, numa reunião com cerca de 30 pessoas do mercado financeiro, Esteves comentou um cenário hipotético sobre a eleição presidencial de 2026.
"Se a disputa for entre Tarcísio [de Freitas, governador paulista] e Haddad, pode comprar o que quiser no Brasil. Vai dar dinheiro", previu.
A dois anos da eleição, o banqueiro manifestava apoio a dois possíveis candidatos, só não mencionava o próprio Lula, que deve tentar a reeleição.
A declaração caiu como uma pedra no gabinete presidencial. As reações logo viriam.
Em fevereiro de 2025, o Planalto excluiu Esteves do encontro de Lula com presidentes dos maiores bancos do país para discutir crédito consignado. Era um dos muitos sinais de descontentamento emitidos pelo governo.
O acúmulo de desgastes respingou na relação com Haddad.
Em meio ao tumulto causado pelo aumento do IOF, em maio, o ministro foi questionado por que não havia consultado Esteves antes do anúncio para se antecipar às críticas que o mercado faria.
Haddad respondeu que não podia revelar as medidas antes da hora para não beneficiar nem prejudicar ninguém.

Um novo cenário
O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, mantém distância institucional de Esteves, bem diferente da deferência com que seu antecessor, Roberto Campos Neto, o tratava.Mesmo em meio às negociações para a compra de ativos do Banco Master pelo BTG, em que Galípolo e Esteves foram protagonistas, a relação foi amena.
Indicado por Lula, Galípolo fez questão de registrar na agenda oficial todas as reuniões que fez com Esteves no processo -como faz com qualquer outro banqueiro.
O cenário político mudou.
O novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), demorou quatro meses para topar um encontro com o banqueiro com quem seu antecessor, Arthur Lira, estava sempre em contato.
Motta só encontrou Esteves num encaixe rápido de agenda, em Nova York, em maio.
Mas não é a primeira vez que Esteves precisa abrir novos caminhos para chegar aonde quer.
Quando Paulo Guedes assumiu o Ministério da Economia, no governo Bolsonaro (2019-2022), ele encontrou as portas fechadas.
Uma longa estrada, cheia de bifurcações, já tinha sido percorrida até aquele reencontro, 30 anos depois do começo dessa relação.

Concurseiro profissional
Em setembro de 1989, André Esteves tinha 21 anos. Cursava matemática e ciência de computação na Universidade Federal do Rio de Janeiro.Namorava Lílian, sua colega de turma, e vivia com a mãe e a avó num apartamento de 70 metros quadrados na Tijuca, bairro de classe média do Rio.
Aluno brilhante, trabalhava como analista de sistemas na universidade.
Nas horas vagas era "concurseiro profissional" --ganhava um dinheiro para fazer provas como aluno de um cursinho. Ele passava nas vagas mais disputadas e botava a instituição no topo dos rankings.
A família de Esteves vivia com orçamento contado. A avó, Abeliz, era manicure e cuidava do neto único. A mãe, Tânia, era professora e acumulava três empregos. Saía às 7h e voltava às 23h. O pai de Esteves saiu de casa quando ele era criança e o via mensalmente.
Para ele era como se a mãe fosse o pai, a avó fosse a mãe, e o pai, um tio afetuoso.
Leitor aficionado, o estudante devorava o "Jornal do Brasil". Gostava dos classificados. Quando viu o anúncio de um banco recrutando "jovens talentos", seus olhos brilharam.
Ele foi selecionado após várias entrevistas. A vaga era para ser "coder", programador do Pactual, um banco de investimentos em que os funcionários podiam ganhar bônus e se tornar sócios se tivessem bons desempenhos.
Faltava a última e mais difícil etapa: a aprovação da mãe. Politicamente inclinada à esquerda, Tânia ficou cética com aquele papo de meritocracia. "Mas você vai confiar em banqueiro, meu filho?", questionou.
Esteves confiou e, depois de um ano como "coder", passou para a mesa de operações, o coração do banco. Em quatro anos já era sócio.
O ambicioso menino da mesa
Paulo Guedes era um dos três sócios controladores do Pactual. Estava na casa dos 40 anos e observava atentamente a escalada vertiginosa do "menino da mesa", como o chamavam.Via nele um talento descomunal, uma dedicação descomunal e uma ambição descomunal. Se não calibrasse bem as três virtudes, alertava, a história poderia acabar mal -pelo menos para um dos lados.
A partir de 1996, o Pactual iniciou um processo de transição rumoroso, que acabaria com a saída dos três sócios controladores por divergências com a nova geração.
Primeiro saíram Paulo Guedes e André Jakurski. Depois foi a vez de Luiz Cezar Fernandes.
Quem ficou disse que era uma renovação necessária. Os que foram embora destilaram ressentimento pelas décadas seguintes.
Mas o banco, o negócio em si, continuaria crescendo.
Os quatro novos controladores acumulavam riqueza e reputação antes dos 30. Os egos inflaram, e dois deles deixaram o Pactual. André Esteves e Gilberto Sayão ficaram.
Em 13 anos de banco, o "menino da mesa" tornou-se o seu principal executivo.

Bilionário --e em dólar
No começo dos anos 2000, empresas brasileiras começaram a fazer IPOs, operações de abertura de capital. O Pactual se especializou no processo.À época, a Bolsa do Rio foi incorporada à Bovespa. Era preciso transferir a sede do Pactual, e Esteves foi para a capital paulista.
Com Lílian, a namorada da faculdade com quem tinha se casado, comprou uma mansão no Jardim Europa, onde cresceriam os três filhos.
No Rio ficaram Tânia e Abeliz. Esteves ligava para a mãe toda noite e para a avó toda manhã. Abeliz queria saber de tudo.
"E a taxa de juros, cai ou não cai?", provocava. Se ele dissesse que achava que sim, ela reagia prontamente. "Arrá, mas não vai mesmo", retrucava. "Eu fui ao mercado, os ovos estão caríssimos, a inflação vai subir e, se estás apostando na queda dos juros, vais perder", alertava.
Mas o neto só ganhava.
Em 2005, o Pactual virou uma vitrine do país para o mundo. Primeiro, foi o banco americano Goldman Sachs a sondá-lo. Depois o suíço UBS, este com uma oferta irrecusável.
Em 2006, Esteves e Sayão venderam o Pactual por US$ 3,2 bilhões.
Aos 37 anos, o filho de Tânia, neto de Abeliz e marido de Lílian, o "menino da mesa", coder e "concurseiro profissional" André Esteves ficou bilionário -em dólar.
Até aquela data, Esteves era descrito como um sujeito obstinado. Dizia ter hábitos módicos e que jatinhos e helicópteros "não faziam parte de seus planos".
Mas os planos iam mudar.

De volta ao jogo
Com a venda, Esteves se tornou CEO do UBS Pactual, responsável pela América Latina, e fez a fama na Suíça.Mas veio a crise de 2007. E o gigante internacional que era o UBS ficou pesado demais. Esteves foi para Londres ser chefe global de renda fixa, uma das maiores áreas de um dos maiores bancos do mundo.
Vivia sob três fusos horários diferentes -o de Londres, onde morava, o de Nova York, capital financeira do mundo, e o de Brasília.
Dormia tarde contabilizando perdas e acordava cedo para reportá-las aos controladores.
Os suíços ainda tinham US$ 2 bilhões a pagar pela compra do Pactual. O contrato previa que Esteves e Sayão ficassem no banco por alguns anos ainda. Mas Esteves nunca foi de esperar.
Chamou o presidente do UBS e costurou um acordo. "Me liberem pelos meus bons serviços prestados", pediu, e avisou: se decidissem se desfazer da operação no Brasil, ele queria ser o primeiro a saber.
Esteves voltou ao país diferente, cheio de anglicismos. Em vez de pronunciar o nome do banco suíço em português, "u-bê-ésse", ele passou a falar em inglês: "iu-bi-és".
Confiante, alugou uma sala de reunião e se sentou com alguns "traders" próximos para fundar uma companhia de investimentos.
Em 2009, a turma criou um domínio de internet para trocarem emails. Um dos sócios patenteou um @BTG, as iniciais de "back to the game", de volta ao jogo, em inglês.
Quando formalizaram o negócio, chamaram o publicitário Nizan Guanaes para posicionar a marca. "O nome já está dado", decretou Guanaes.
Para o mundo, eles disseram que BTG era o acrônimo de "Banking and Trading Group".
Mas no burburinho as pessoas se divertiam. Alguns chutavam que era "Better Than Goldman", em referência ao banco americano que desistiu de fechar negócio com o Pactual.
O fato é que Esteves estava de volta ao jogo.
Em seis meses, numa sexta-feira de abril de 2009, os suíços do UBS telefonaram e anunciaram que venderiam o Pactual e sairiam do Brasil.
O banqueiro agiu rapidamente e fechou o negócio em Nova York em uma semana.
Esteves vendeu o Pactual em 2006 por US$ 3,2 bilhões. Três anos depois, o recomprou por US$ 2,9 bilhões. O capital do banco, no meio tempo, tinha saltado de US$ 500 milhões para US$ 2,7 bilhões. O negócio de uma vida.
Nascia o BTG Pactual e, com ele, a versão extrovertida e despachada de um banqueiro bilionário, seguro de si, pronto para começar a expandir o seu império. Com jatinho e helicóptero, sim, mas muito mais que isso.

'Um tipo fleumático' na prisão
A partir de 2010, a companhia voava em altitude de cruzeiro.Em Brasília, Esteves se tornou um midas. Aproximou-se de Lula e sua sucessora, Dilma Rousseff. Falava sempre com o ministro da Fazenda. O presidente da Câmara o atendia no primeiro toque.
Mas, com a crise que engolfou o Brasil e a deflagração da Operação Lava Jato, o tempo fechou.
Acusado de tentar atrapalhar as investigações, ele passou 28 dias preso em Bangu em 2015. Depois cumpriu mais quatro meses de recolhimento domiciliar. O BTG sofreu uma crise de confiança e quase quebrou. Esteves foi obrigado a se afastar.
Em meio à tormenta, o banco chamou o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim para reformular a área de compliance. Jobim tinha integrado a equipe de defesa de Esteves e afirmou que aceitava a nova missão, mas não fazia "concessões". Esteves entendeu o recado.
Um rígido controle se impôs na atuação em Brasília.
Em 2018, o ministro Gilmar Mendes, do STF, encerrou dois inquéritos contra Esteves e afirmou que sua prisão tinha sido "um grotesco erro judiciário". Foi só depois de retiradas as acusações por falta de provas que o banqueiro retomou suas atividades executivas e políticas.
Mendes e Esteves se tornaram interlocutores frequentes. Encontram-se em vários cantos -jantares na casa do banqueiro, festas do ministro, eventos em Lisboa, coquetéis em Nova York.
"É um perfil conciliador, basta ver a forma como lida com o fenômeno da prisão", comentou Mendes em entrevista ao UOL. "É um sujeito que não externaliza raiva, um tipo fleumático, que está sempre analisando a situação. E, para um empresário, tem uma cabeça política."
Quando Bolsonaro assumiu a Presidência, Esteves estava de volta. Entrava num salão e todos paravam para observá-lo. Não raro chamava mais atenção que as autoridades presentes.
Mas no Ministério da Economia, Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e BNDES, as portas estavam fechadas.
Era a zona de influência de Paulo Guedes, o antigo sócio do Pactual que saiu do banco após a ascensão do "menino da mesa".
Esteves rapidamente encontrou caminhos alternativos. Aproximou-se de Fábio Faria, ministro das Comunicações, numa relação que se provaria de alta voltagem.
Em 2022, Faria articulou uma viagem do empresário Elon Musk ao Brasil. Dono da Starlink e da Tesla, o dito homem mais rico do mundo passaria quatro horas no hotel Fasano Boa Vista.
Bolsonaro e a cúpula do governo se transferiram a Porto Feliz (SP) para o encontro.
Esteves recebeu um lugar de honra.
Antes do almoço, promoveu uma reunião de Musk com estudantes. Depois, à mesa, foi posto ao seu lado esquerdo. À direita estava Bolsonaro, que não fala inglês. Esteves, fluente no idioma do convidado, monopolizou suas atenções.
"André é danado", comentou o empresário Rubens Ometto, da Cosan, que assistiu a tudo no Fasano naquele dia de 2022. "É um cara bem informado, conversa, ele fala muito. Tem personalidade, comanda", descreveu Ometto.
Dois anos depois, Musk entrou em atrito com o Supremo. Em 2024, o ministro Alexandre de Moraes bloqueou as contas da Starlink até que o X, a rede social de Musk, pagasse uma multa milionária por descumprimento de ordem judicial.
Indignado com a decisão, Esteves ligou para Gilmar Mendes e argumentou que era como cobrar da Ambev pelas fraudes na Americanas. Um CNPJ não pode responder por outro CNPJ, mesmo que pertençam ao mesmo grupo empresarial.
Alegou fazer seu "dever de ofício" ou melhor, em inglês, "job description": conversar com autoridades, "sentir o pulso" de Brasília e favorecer um ambiente saudável de negócios.
"E ele faz muito bem", disse Ometto. "Precisamos que todos os empresários façam isso."

A resposta de Lula
Sua desenvoltura nos círculos bolsonaristas não passaria incólume. Na campanha de 2022, num jantar com empresários, Esteves perguntou o que Lula manteria do legado de Bolsonaro caso fosse eleito.O então candidato retrucou: um governo eleito na esteira da Lava Jato não tem nada de positivo para ser mantido e você, Esteves, assim como eu, sabe o que é ficar preso.
Um silêncio constrangedor ensurdeceu a todos.
Quando Esteves foi preso, o BTG quase quebrou. Passados dez anos, o banco tem atuação no mundo todo e negócios dos mais variados, que vão desde empresas de estacionamento (Estapar) e energia (Eneva) a fibra ótica (V.tal) e etiquetas inteligentes (Beontag).
Doze horas de trabalho por dia, viagens em ritmo frenético e exigência altíssima.
O filho de Tânia já conquistou tudo o que o dinheiro pode comprar. Tem influência nos ambientes mais prestigiados do mundo -da Universidade Harvard ao Palácio do Eliseu, onde despacha o presidente da França. Fala com as maiores autoridades do mundo da política e dos negócios.
Se o Brasil do momento estiver pouco fértil, tem muita safra lá fora para ele colher.
O tempo passou. Mas Esteves ainda guarda do "menino da mesa" um talento descomunal, uma dedicação descomunal e uma ambição descomunal.
TAB Uol
https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2025/07/07/como-o-banqueiro-andre-esteves-sempre-volta-ao-jogo-do-poder.htm