Gabriel Penna
Para a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, a COP30 é o início de um processo de engajamento da sociedade brasileira. Há oportunidades de atrair investimentos e abrir novos mercados para setores como agricultura, mineração, biocombustíveis, eletrificação e indústria florestal, mas o país precisa mobilizar os diversos atores econômicos em torno de um novo olhar para o seu desenvolvimento.
"A questão climática hoje se insere diretamente nas novas rotas de desenvolvimento do mundo. Não é possível que as pessoas ainda achem que isso é um problema ou uma agenda de um grupo A ou B", disse a copresidente do Painel Internacional de Recursos Naturais da ONU e conselheira de grandes empresas e instituições públicas em entrevista a Ecoa.
Responsável por liderar a comitiva brasileira nas negociações do Acordo de Paris, em 2015, Teixeira aposta na capacidade de diálogo da diplomacia brasileira para avançarmos na construção de consensos e soluções para a agenda climática. "O que mais ouço hoje é que, se vivemos em um mundo complexo, ainda bem que a COP vai ser no Brasil".
Leia a seguir a entrevista, concedida em abril e editada para ficar mais concisa.
Você liderou o Ministério do Meio Ambiente de 2010 a 2016, inclusive no período de costura e assinatura do histórico Acordo de Paris, em 2015. O que mudou na agenda climática no Brasil e no mundo nesse período?
O mundo mudou muito nesses 10 anos, mas o principal é que a configuração geopolítica que permitiu o Acordo de Paris não existe mais. A construção política de Paris começou em 2011 e evoluiu até a COP20, em 2014, em um trabalho que envolveu vários líderes nacionais. A liderança do presidente dos EUA, Barack Obama, foi fundamental, nas articulações com a China, com a Índia e com o Brasil. Foram assinados acordos bilaterais e compromissos, em uma mobilização diplomática que conferiu nova importância política à agenda climática, depois do fracasso da COP15 [em 2009, em Copenhague] e do protocolo de Kyoto.
Essa não é a conformação de mundo que temos agora, a começar pelo cenário de greenlash [reversão ou oposição a políticas climáticas] nos EUA. Hoje também temos uma crise do multilateralismo, uma reorganização da ordem internacional e um mundo marcado por guerras. Estamos caminhando para um regime multipolar, em que a discussão climática acontece dentro do sistema da ONU, mas também fora dele, em outros grupos e arranjos. Além disso, temos um assunto que está voltando com força para a pauta que é a segurança energética.
Por que o tema da segurança energética está voltando e como se relaciona com a transição energética e os esforços de descarbonização?
A transição energética vem se firmando como um tema diretamente relacionado ao desenvolvimento. Para discutir a transição de combustíveis fósseis, temos que entender quem produz, mas também quem consome. A demanda de energia vinda pelo consumo é, para mim, a questão-chave dez anos depois de Paris.
Como você vai lidar com uma demanda crescente de energia em países, por exemplo, que são muito pobres? Há uma quantidade imensa de pessoas no mundo sem acesso à energia ou com acesso de baixa qualidade. Por outro lado, existem cerca de um bilhão de pessoas no mundo que consomem a energia com sofisticação, para uso de eletrodomésticos, por exemplo. A realidade ainda é muito assimétrica.
A Índia, por exemplo, país mais populoso do mundo, tem mais de 500 milhões de pessoas pobres que consomem energia com base em queima de biomassa, de estercos, por exemplo. Por isso, temos que entender as realidades do mundo para saber como o consumo vai determinar se precisamos ou não de novas energias. O mundo tomou a decisão de descarbonizar, e o debate hoje é se esse processo será mais ou menos acelerado.
Além do ritmo da demanda, que outros fatores podem influenciar a velocidade dessa transição?
Esse processo é muito dependente de novas tecnologias, e todas as soluções de descarbonização são mais caras, inflacionárias. Você tem que viabilizar novos modelos de negócio. Além disso, essas soluções precisam dialogar com outra decisão já tomada que é a eletrificação da economia global, que vai demandar mais energia, mais recursos naturais e um terceiro elemento de importância estratégica e geopolítica: os minerais críticos. Você não faz eletrificação nem descarbonização sem esses minerais.
Essa discussão também precisa tratar do risco climático presente. Não estamos mais buscando soluções para algo que vai acontecer em 2100, pois os extremos climáticos já estão acontecendo. Temos uma conta do passado chegando no presente, que é a dependência enorme dos combustíveis fósseis, ainda responsáveis por 82% da matriz energética global.
Por outro lado, temos um futuro que precisa ser descarbonizado e eletrificado, com uma intensidade enorme de energia e um cenário muito desigual no acesso. Precisamos considerar as situações de curto prazo e ao mesmo tempo pensar no médio e no longo prazos com muito pragmatismo.
Com um contexto internacional tão desfavorável, podemos ter algum otimismo com a COP30?
O que mais ouço hoje é que, se vivemos em um mundo complexo, ainda bem que a COP vai ser no Brasil. Isso por causa da diplomacia brasileira, da nossa capacidade de ouvir, dialogar e negociar. E também por ser um país democrático, que tem paz, em meio a uma crise da democracia que não tínhamos no passado.
Sou uma pessoa otimista, mas também muito pragmática e realista. Acredito em processos, mas entendo que você tem que negociar a partir das realidades. E também sou democrata e acho que você tem que ser o mais inclusivo possível. Isso é um aspecto importante da COP no Brasil, que irá receber toda uma diversidade de atores, com maior presença da sociedade civil. As últimas COPs foram mais restritivas em relação a isso.
Outro aspecto importante já destacado pelo presidente da COP [André Correa do Lago] é que essa não é uma conferência com grandes documentos de negociação. A COP30 tem, acima de tudo, uma grande provocação para debater os temas que interessam a agenda climática, como a velocidade da transição dos combustíveis fósseis e a proposta para viabilizar um financiamento climático de US$ 1,3 trilhão ao ano.
Quais temas estratégicos podem fazer a agenda de clima ganhar celeridade? Como acelerar a implementação de soluções? São assuntos políticos que vão definir o dia seguinte, e que o presidente da COP tem a prerrogativa de pautar e alinhar com a comunidade internacional e o setor privado, que são públicos que não estão na negociação formal da COP.
Temos uma equipe que entende muito bem essa necessidade de dialogar com os diferentes grupos de interesse, tem credibilidade e sabe lidar com a comunidade internacional. Por isso vejo com otimismo.
Como a COP30 pode ajudar o Brasil a evoluir na sua própria agenda de clima?
Em primeiro lugar, o Brasil precisa superar a ideia de que a COP é um evento. A COP é um processo, o kickoff de um processo de engajamento e de mobilização para uma nova maneira de ver nosso desenvolvimento. Clima e meio ambiente entraram na agenda econômica do mundo, na agenda financeira, na agenda de inovação tecnológica, na agenda geopolítica. Não é possível que as pessoas ainda achem que isso é um problema ou agenda de um grupo A ou B. A questão climática hoje se insere diretamente nas novas rotas de desenvolvimento do mundo.
E não só pelo caminho da descarbonização, mas também pela eletrificação. Como um país detentor de minerais estratégicos, o Brasil terá que ter uma sinergia da cadeia de valor de mineração com a de energia. O país terá que ser muito eficiente nisso, sob o risco de perder o timing do ciclo de eletrificação global. Como isso se conecta com a política industrial brasileira? Tudo isso significa ter novas políticas públicas, novas capacidades e uma nova relação com o setor privado e com a sociedade, para que todos se entendam, se engajem e se beneficiem disso.
Temos a oportunidade de reverter coisas que são ditas internacionalmente contra o país, como as questões de que a carne brasileira vem toda de [áreas de] desmatamento e de que o país produz biocombustível no lugar de produzir comida, o que é uma inverdade. Temos a chance de fazer uma grande pactuação com os agentes econômicos desses setores e dialogar internacionalmente para acabar com restrições e questões que sabemos que são falsas.
Por outro lado, precisamos garantir que a agricultura brasileira tenha métricas e consiga medir o quanto ela emite e o quanto que é capaz de remover carbono. O Brasil tem a oportunidade de apresentar uma nova visão estratégica do seu papel na segurança alimentar, olhando também para o risco climático. Podemos unir o país e as Américas em torno dessa agenda, pois o país tem uma liderança nata nisso.
Com a discussão climática global focada em energia, como o país pode atrair maior atenção e recursos para a pauta da Amazônia e das soluções baseadas na natureza?
O Brasil tem emissões associadas predominantemente ao uso da terra, com um peso muito grande do desmatamento ilegal. Isso não é economia, isso é crime, e o Brasil tem que combater o crime. Por outro lado, para retirar carbono da atmosfera, a restauração de florestas e áreas degradadas é um caminho imediato. Mas não basta ter terra e capacidade de empreender. Temos que ter métricas de transparência, entender como vamos lidar, por exemplo, com o risco de incêndios em florestas restauradas.
Precisamos de uma nova governança, a partir da lei de mercado de carbono que foi colocada. A lei ainda é muito confusa em relação a isso, mas precisamos ver quais soluções o governo e o setor privado vão trazer para gerar credibilidade interna e externamente.
No caminho para manter a floresta de pé, além de implementar o código florestal, precisamos também de uma economia associada a esses recursos florestais. Para desenvolver modelos de negócio numa região que é quase 60% do território brasileiro, com a população espalhada, você precisa discutir infraestrutura, logística e escala. Espero que isso amadureça com celeridade, de maneira que a Amazônia se conecte ao Brasil pelas soluções de futuro, e não pela trajetória de degradação.
Mas o país terá que formatar isso para um grupo de 196 países signatários do Acordo de Paris em que menos de 100 deles têm florestas. Isso tem que ser parte da construção de estratégias de mitigação, de captura de carbono, de modelos que gerem interesse de outros países e do mercado privado em investir no Brasil. A visão de soluções baseadas na natureza também precisa sair das bolhas a que muitas vezes está restrita, e transitar pelos setores econômicos, buscar parcerias para acontecer.
Precisamos também entender nossas vulnerabilidades. O Brasil tem pendências como a questão da regulação fundiária e a presença do crime organizado em determinadas regiões. Temos que lidar com isso para dar segurança para esse investimento.
Qual é a sua visão sobre as discussões sobre a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas e que impactos essa decisão pode ter em nossa agenda para o clima?
Acho que temos que serenar o debate. Você não pode politizar uma decisão ou levar para o campo da política uma discussão que é de natureza técnica. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) é um órgão de excepcional qualidade técnica e tem capacidade de analisar todos os aspectos de um licenciamento ambiental associado à indústria de petróleo e gás no Brasil. E a lei permite que o empreendedor, nesse caso a Petrobras, se manifeste sobre os laudos, traga estudos adicionais e peça novas análises. [O Ibama ainda não tinha aprovado o plano de pesquisa da Petrobras na Bacia da Foz do Amazonas na data da entrevista]
Para a questão climática, tem uma discussão mais ampla e estratégica, que precisa considerar os cenários de transição energética, de segurança climática e de segurança energética. Se o Brasil parar de produzir petróleo, não significa que não precisaremos de petróleo, não é o que os dados mostram. Vamos comprar de outro lugar? O país vai passar a ser um importador de petróleo no futuro? É importante que as pessoas tenham clareza do que significa isso para a economia brasileira. Essa não é uma decisão apenas da área ambiental ou da competência do Ibama, mas do Conselho Nacional de Política Energética, do presidente do Congresso. É uma decisão estratégica do país e cabe à sociedade brasileira discutir.
Uol
https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2025/06/15/clima-e-pauta-economica-e-geopolitica-diz-ex-ministra-izabella-teixeira.htm