À Vanity Fair, Susie Wiles chamou o vice-presidente, JD Vance, de 'conspiracionista', falou sobre o uso de cetamina por Elon Musk e deu munição a algozes do republicano
Por O Globo e agências internacionais
Após conceder uma entrevista sobre o governo de Donald Trump, sua chefe de Gabinete, Susie Wiles, parece ter se arrependido da sinceridade exposta nas páginas da revista Vanity Fair. No texto, ela disse que Trump tem uma "personalidade de alcóolatra", que o bilionário Elon Musk era um "ávido usuário de cetamina", e que a Casa Branca está cheio de teóricos da conspiração. Horas depois, Wiles alegou que suas palavras foram publicadas sem o devido contexto.
Na entrevista, publicada nesta terça, Wiles pinta com tons crus as personalidades de algumas das pessoas mais poderosas dos Estados Unidos, a começar por seu chefe, o presidente Donald Trump. A intenção parece ter sido elogiar seu estilo intenso, mas o resultado não foi exatamente o esperado.
"Alcoólatras funcionais, ou alcoólatras em geral, têm suas personalidades exageradas quando bebem. E eu sou um pouco especialista em personalidades fortes", disse Wiles, antes de cravar que Trump tem "a personalidade de um alcoólatra". "Ele age com a visão de que não há nada que ele não possa fazer. Nada, zero, nada."
Sobraram outros adjetivos ao primeiro escalão. JD Vance, o vice-presidente que no passado prometeu jamais votar em Trump, foi descrito como um defensor de teorias da conspiração. Elon Musk, que no início do ano liderou um escritório destinado a cortar gastos públicos, foi descrito como uma versão malhada de Nosferatu e como um esquisitão que que faz uso regular de cetamina, uma substância usada no tratamento de depressão, mas que também tem efeitos alucinógenos e potencialmente mortais.
Ainda sobre o bilionário, que tem feito gestos de aproximação com Trump após sua explosiva saída do governo, Wiles criticou a decisão do governo, por recomendação de Musk, de retirar praticamente todas as verbas da agência americana de ajuda externa, a Usaid. Estudos posteriores afirmam que a decisão do homem mais rico do mundo foi diretamente responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas.
"A atitude de Elon é que você tem que fazer as coisas rápido. Se você for um adepto de mudanças graduais, simplesmente não vai conseguir levar seu foguete à Lua", disse Wiles. "E com essa atitude, você vai acabar quebrando algumas coisas. Mas nenhuma pessoa racional poderia achar que o processo da Usaid foi bom. Ninguém."
Pam Bondi, secretária da Justiça, recebeu menções pouco elogiosas sobre a forma como lidou com o caso Jeffrey Epstein, que morreu em 2019 antes de ser julgado por tráfico humano e abuso sexual: para a chefe de Gabinete, Bondi deveria ter confirmado que Trump era citado nos documentos do processo, informando que não havia nada desabonador, ao invés de insistir em uma inexistente lista de clientes de Epstein. Hoje, o caso é um dos calcanhares de aquiles do presidente, a menos de um ano das eleições legislativas.
Dentro do ecossistema Trump 2.0, Wiles ocupa os andares mais elevados da escala de poder. Veterana do meio político americano, com passagem pela campanha de Ronald Reagan à Presidência em 1980, ela sempre exerceu seu poder nas sombras. Foi assim na campanha de Trump em 2016, quando o republicano derrotou Hillary Clinton, e em 2024, quando passou a aparecer em eventos públicos. Pouco depois do anúncio da vitória sobre Kamala Harris, Wiles foi confirmada como a primeira mulher a ocupar o posto de chefe de Gabinete da Casa Branca.
Com tantas décadas nos corredores de Washington, as palavras de Wiles à Vanity Fair carregam bastante peso, e ajudam o mundo exterior a compreender processos internos do meio trumpista.
Segundo Wiles, ela tentou convencer Trump a não conceder perdão às centenas de pessoas condenadas pela invasão do Capitólio, em janeiro de 2021, sugerindo que o presidente deveria ser mais seletivo na escolha de quem deveria ser libertado. Também revelou ter pedido que o anúncio do tarifaço global fosse adiado, diante de divergências internas no governo. Mais uma vez, sem sucesso.
"Houve algumas vezes em que fui voto vencido", disse Wiles à Vanity Fair. "E se houver empate, ele (Trump) ganha."
Em mais uma derrota, queria que Trump desistisse de "acertar as contas" com seus adversários, em especial os protagonistas de processos contra ele na Justiça por ligação com o ataque ao Capitólio e a tentativa de reverter a derrota para Joe Biden na eleição de 2020. Ela insiste que o presidente não passa o tempo todo pensando em vingança, mas "quando surge uma oportunidade, ele a aproveita".
"Em alguns casos, pode parecer retaliação. E pode haver um pouco disso de vez em quando. Quem o culparia? Eu não", afirmou, sugerindo que concorda com algumas das decisões de processar ex-promotores, investigadores e personalidades políticas.
Wiles ainda deu pistas sobre o que pensa Trump sobre um potencial ataque à Venezuela. Segundo ela, o republicano não buscou autorização do Congresso para ataques terrestres, como tem prometido que fará "muito em breve", e que a estratégia é vencer o presidente Nicolás Maduro pelo cansaço.
"Ele (Trump) quer continuar explodindo barcos até Maduro se render", disse. "E pessoas muito mais inteligentes do que eu nesse assunto dizem que ele vai se render."
Pouco depois da publicação, Wiles parece ter se arrependido: em uma publicação na rede social X, chamou o texto de "uma tentativa desonesta de difamar a mim e ao melhor presidente, equipe da Casa Branca e Gabinete da História".
"Um contexto importante foi ignorado e muito do que eu, e outros, dissemos sobre a equipe e o presidente foi omitido da matéria. Presumo, após lê-la, que isso foi feito para criar uma narrativa extremamente caótica e negativa sobre o presidente e nossa equipe", escreveu Wiles, replicando a já conhecida retórica maximalista do governo Trump 2.0 e, especialmente, declarando lealdade a seu presidente.
Em entrevista ao jornal New York Post, Trump não pareceu incomodado.
- Veja bem, eu não bebo álcool. Todo mundo sabe disso, mas eu já disse várias vezes que, se bebesse, teria grandes chances de me tornar alcoólatra. Já disse isso muitas vezes sobre mim mesmo, e realmente tenho. É uma personalidade muito possessiva - afirmou o presidente, confirmando que não leu a entrevista. - Pelo que ouvi, os fatos estavam errados e o entrevistador estava muito equivocado, propositalmente equivocado.
Fora do Trumpverso, Letitia James, procuradora-geral de Nova York que liderou processos contra o presidente, e que é alvo da ofensiva legal do Departamento de Justiça, disse que as palavras de Wiles são uma "admissão aterradora" de que o governo federal persegue aqueles que vê como inimigos.
"O fato de o chefe de Gabinete da Casa Branca admitir que o presidente Trump transformou o Departamento de Justiça em sua arma de retaliação política contra a procuradora-geral Letitia James apenas confirma que esta foi uma perseguição imprópria e vingativa", afirmou o advogado de James, Abbe Lowell em um comunicado na terça-feira. "Quando eles admitem que não buscam justiça, mas pura vingança, acreditem neles."
O Globo
https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/12/17/chefe-de-gabinete-de-trump-diz-que-presidente-tem-personalidade-de-alcoolatra-mas-depois-critica-edicao-de-entrevista.ghtml





