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Concessionária do Pacaembu dá calote de R$ 17 mi em 94 fornecedores

Concessionária do Pacaembu dá calote de R$ 17 mi em 94 fornecedores

Fornecedores têm 468 protestos em cartórios contra Allegra Pacaembu. Relatos são de que empresa não responde telefonemas ou e-mails


Demétrio Vecchioli

A Allegra Pacaembu, concessionária que administra a Mercado Livre Arena Pacaembu, não vem pagando seus fornecedores desde, pelo menos, o fim do ano passado. Levantamento da coluna junto a cartórios da cidade de São Paulo encontrou 468 protestos por falta de pagamento, de 94 empresas distintas, que reclamam calote de mais de R$ 17,3 milhões.

A lista de credores da concessionária do complexo esportivo concedido pela prefeitura de São Paulo tem desde pequenos prestadores de serviço até grandes fornecedores da obra. A Allegra não vem pagando sequer a conta de luz do Pacaembu - a Enel protestou por um boleto de mais de R$ 100 mil, vencido desde setembro. O calote coincide com período em que a Allegra precisou pagar cerca de R$ 40 milhões somente em juros de um empréstimo que venceu há um mês.

O protesto em cartório é a forma legal de uma empresa (o "sacador") demonstrar que um contratante não quitou um pagamento. Quando uma dívida é protestada, o devedor é notificado e, se não pagar, seu nome é "protestado". Isso gera restrição de crédito e dificulta o acesso a financiamento. A empresa acionada pode contestar o protesto, o que a Allegra não fez em nenhum dos 468 casos analisados.

O calote generalizado vem desde o fim do ano passado. Um exemplo é a empresa de aluguel de bombas que forneceu os equipamentos que permitiram à Allegra tirar a água que alagou a obra entre o Natal e o Ano Novo e, em agosto, protestou pelo não pagamento de uma dívida de R$ 43,4 mil.

Fornecedores cobram a Allegra Pacaembu

Entre as 94 empresas que reclamam não terem recebido pelo serviço prestado ou pelo produto vendido à Allegra estão todo tipo de fornecedores de uma obra como do Pacaembu: empresas de revestimentos, guindastes, cimento, areia, pedras, aço, ferro, cabos elétricos, concreto, vidro, iluminação, esquadrias, hidráulica, tintas, louças, gestão de obras, serralheria e portas, entre outras.

Também protestam prestadores de serviços do complexo esportivo formalmente reinaugurado pela prefeitura de São Paulo em 25 de janeiro do ano passado. É o caso, por exemplo, da empresa que organizou, no Pacaembu, o lançamento da edição passada da Copa São Paulo de Juniores - cuja final foi no mesmo estádio.

A coluna conversou com 10 desses credores, e nenhum deles topou dar entrevista, citando orientação jurídica - os contratos têm cláusula de confidencialidade, e eles temem que as consequências de queixas públicas. Todos, porém, citaram o mesmo enredo: não conseguem contato com a Allegra depois de prestar serviço. O contratante não responde e-mail, nem atende telefone.

Os relatos são os mesmos para construtoras que cobram milhões da Allegra Pacaembu ou para empresas que reclamam valores que não chegam a mil reais, irrisórios para uma concessionária que firmou contrato de R$ 1 bilhão de naming rights com o Mercado Livre e tem realizado eventos regularmente no complexo. Uma empresa que vende asfalto aguarda a quitação de uma dívida de R$ 1.788,75 desde julho do ano passado.

Empresários que falaram com a coluna sob anonimato disseram que só protocolaram os protestos depois de meses tentando receber da concessionária, o que sugere que o valor devido a fornecedores é maior do que os R$ 17,3 milhões já protestados, já que novos protestos têm sido formalizados semanalmente, com "delay" desde a data limite para o pagamento.

Além das dívidas com empresas, a Allegra ainda é ré em 140 ações trabalhistas, de acordo com levantamento da coluna. Os processos têm valor de causa somada de R$ 12,9 milhões. No Serasa, conhecido órgão de proteção de crédito, o score da Allegra é de "defalut". Segundo o próprio Serasa, a prática de mercado, nesses casos, é de só fazer negócios a vista com a empresa.

Allegra diz que "alguns" fornecedores foram impactados

Em nota à coluna, a Allegra disse que "já realizou investimentos que superam R$ 800 milhões" e relacionou os não pagamentos a uma auditoria. "Com a conclusão do Plano de Intervenção das obras obrigatórias da Concessão, [a concessionária] fez um trabalho de auditoria interna sobre as entregas, em que potenciais divergências entre serviços prestados e valores foram identificadas", disse a empresa.

"Esse fato demandou a interrupção momentânea do fluxo de alguns pagamentos, até que os devidos esclarecimentos fossem prestados. Alguns fornecedores podem ter sido impactados e buscaram medidas como as destacadas pelo jornalista. Reiteramos nosso compromisso com a continua melhoria das atividades no Complexo e esperamos que todos os esclarecimentos sejam recebidos para que os valores que forem comprovadamente devidos sejam quitados", continuou o Allegra.

Procurada, a prefeitura disse em nota que: "Todas as concessões da Prefeitura de São Paulo são realizadas com parceiros que comprovaram capacidade financeira para honrar seus compromissos com a administração municipal. Embora exerça atividade concedida pelo Município, as concessionárias são responsáveis e devem responder por seus atos relacionados a terceiros".

A concessionária deu as obras obrigatórias da concessão como concluídas em janeiro, quando reinaugurou o estádio. A maior parte das dívidas tem data posterior ao fim das obras obrigatórias, especialmente entre setembro e outubro deste ano.

O Pacaembu continua em obras, porém. A Allegra segue realizando intervenções não obrigatórias, como a construção de um "edifício multifuncional" onde antes existia o Tobogã, com hotel, restaurantes e um centro de convenções.

Desde a reabertura, o estádio tem recebido principalmente jogos amadores e festivos, como a final de um campeonato universitário no sábado passado (29/11). Com gramado sintético, o Pacaembu não tem conseguido, porém, atender sua vocação: receber o futebol profissional. No masculino, só a Portuguesa jogou lá este ano, e apenas no Paulistão 2025 e em seu único jogo na Copa do Brasil - na Série D do Brasileiro, reclamando dos valores do aluguel do Pacaembu, voltou ao Canindé, onde também jogará no Paulistão 2026.

O estádio também tem tido um calendário amplo de shows. Só nas últimas seis semanas, recebeu Andrea Bocelli e os festivais Garota Vip, com Wesley Safadão, e Meli Music, com Luísa Sonsa. Em dezembro, terá Alexandre Pires e, em fevereiro, Laura Pausini.

Metropoles
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