Dirigido por Paul Thomas Anderson, o filme retrata uma América dividida, paranoica e mergulhada em guerras internas sem fim
Por Marcelo Hailer
Os primeiros 15 minutos de "Uma Batalha Após a Outra", novo filme de Paul Thomas Anderson (Magnólia), que também assina o roteiro, provavelmente são os mais frenéticos do cinema nas últimas duas décadas. Com uma trilha sonora alucinante - assinada por Jonny Greenwood -, somos arremessados para dentro de uma ação direta do grupo guerrilheiro French 75, que pretende libertar prisioneiros imigrantes de um campo de concentração nos EUA.

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A bomba explode e a metralhadora de Perfidia Beverly Hills (Teyana Taylor), líder do grupo revolucionário, dispara sem parar. mas contra quem - e o que - os guerrilheiros estão lutando? Ao longo de suas três horas de duração, "Uma Batalha Após a Outra" não oferece respostas, apenas indícios. Sem tempo para respirar, entendemos que estamos diante de uma trágica crônica sobre uma sociedade - a estadunidense, no caso - à beira do colapso.
O roteiro de "Uma Batalha Após a Outra" é um texto sobre e para os EUA: uma grande crônica sobre o estado das coisas na América de hoje, que busca entender como o país que sempre se arvorou o papel de ícone da liberdade está agora afundado em guerras internas - raciais, sexuais e econômicas - e em paranoias que sempre exigem a criação de um inimigo interno e externo (URSS, o "Eixo do Mal", Venezuela etc.) para continuar a se mover. A necessidade de um inimigo e, consequentemente, de batalhas intermináveis tornou-se a razão de ser dos EUA?

A esquerda em ruínas... a revolução morreu?
O filme é dividido em dois tempos históricos. No primeiro, acompanhamos a ascensão e queda do grupo guerrilheiro French 75, liderado por Perfidia Beverly Hills, que forma par romântico com Bob Ferguson (Leonardo DiCaprio), um revolucionário caricato, indeciso e profundamente paranoico.A outra ponta extrema da trama é liderada pelo general Steven Lockjaw (Sean Penn), um supremacista que busca entrar para um grupo da elite política e econômica dos EUA. Para tanto, precisa eliminar o French 75 - o que consegue fazer sem muitas dificuldades.
Com a caçada implacável e a morte de importantes membros do grupo, Bob e Perfidia - grávida - se escondem. Porém, após o nascimento da filha, ela retorna ao campo de batalha.
A história então dá um salto de 16 anos: reencontramos Bob Ferguson vivendo na clandestinidade, alcoólatra, usuário pesado de maconha e completamente paranoico. Sua filha, agora adolescente, tenta levar uma vida "normal", mas é privada de celular e liberdade.

A caricatura tosca e engraçada de Bob Ferguson é uma crítica de Paul Thomas Anderson ao estado atual da esquerda estadunidense, duramente questionada nos últimos anos por sua incapacidade de enfrentar o fascismo em ascensão.
Mas há uma camada mais profunda na crítica do roteiro - livremente inspirado em Vineland, de Thomas Pynchon. Anderson questiona: como o país dos Panteras Negras, de Huey Newton e Angela Davis, que já teve um Partido Comunista ativo, hoje vive diante de uma esquerda letárgica? O que aconteceu?
Essa reflexão ganha ainda mais força quando o general Lockjaw retorna à cena e descobre o paradeiro de Bob. Decidido a eliminar seu antigo inimigo e sua filha, ele desencadeia a ação final. Desesperado, Bob pede ajuda ao mestre Carlos (Benicio del Toro), instrutor de artes marciais que também comanda uma rede de apoio a imigrantes ilegais.

O encontro entre Bob e Carlos é um dos pontos altos do filme. O revolucionário, cada vez mais perdido, contrasta com a calma e a disciplina do mestre, que encarna a crítica de Anderson à esquerda desorganizada: para enfraquecer o sistema, é preciso atenção, controle e frieza - tudo o que Bob perdeu.
Há ainda uma crítica sutil, mas poderosa, a uma parcela da esquerda que se recusa a se atualizar. Em um rápido diálogo com a filha, Bob tenta entender o que significa ser não binário, mas logo desiste e vira as costas. O gesto parece banal - não é.

A nova obra-prima de Paul Thomas Anderson
Se o roteiro de "Uma Batalha Após a Outra" é centrado em questões internas dos EUA, o mesmo não se pode dizer de seus aspectos técnicos. Como realização cinematográfica, é uma obra-prima - e deve se destacar na temporada de premiações de 2026.A trilha sonora, assinada por Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead, funciona como um dos personagens centrais do filme. É ela que dá alma e ritmo à narrativa: frenética, tensa, incessante - como uma guerra que nunca cessa. Greenwood cria uma tensão permanente, mesmo nos momentos mais cômicos, tornando o ar sempre denso e vibrante.
A direção de Paul Thomas Anderson é outro espetáculo. Um exemplo é a cena de perseguição na estrada: ora estamos dentro do carro de Bob, ora no da filha. Em certo ponto, a câmera assume a perspectiva do veículo, que balança como uma gangorra nas colinas. No encalço, um mercenário pretende matar o coronel Lockjaw. A montagem alterna ângulos em ritmo alucinante, até que já não sabemos mais onde estamos - assim como a própria sociedade americana: paranoica, armada, mergulhada em milícias e sempre em busca de um novo inimigo.
Paul Thomas Anderson conseguiu o que parecia impossível: superar, pelo menos em termos técnicos, suas duas outras obras-primas - "Magnólia" (1999) e "O Mestre" (2013).
"Uma Batalha Após a Outra" é, portanto, uma realização cinematográfica monumental - uma crônica feroz sobre a ruína da América e, ao mesmo tempo, uma ode melancólica ao que resta da sua capacidade de sonhar.
Revista Forum
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