Primeira-dama afirma que ficou abalada com ataques, mas diz que superou e nega ter mudado de postura para se enquadrar ao cargo
Mônica Bergamo
A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, recebeu a coluna no Palácio da Alvorada, em Brasília, no fim do mês passado.
Era para ser uma conversa, mas virou uma entrevista. Nela, Janja revelou que, sob intensas críticas, já sentiu vontade de largar tudo para trás e voltar para sua casa, em São Paulo.
"Eu acho que isso deve ter acontecido com muitas primeiras-damas [no passado]. Muitas. E muitas também se fecharam por conta disso", disse ela, com lágrimas nos olhos.
Mas o momento passou. Janja segue em Brasília. E afirma que, ao contrário do que parece (e dizem), não mudou enfim de postura para se enquadrar ao cargo. "Não vou entrar na caixinha", diz. "Mas eu não posso sair cantando em um evento, como podia na campanha", admite.
A primeira-dama diz que ainda não sabe como vai se engajar na campanha de 2026, mesmo porque o marido ainda não decidiu se vai concorrer à reeleição.
Questionada sobre como vai lidar com a presença de outra mulher, Michelle Bolsonaro, que deve ter papel central nas eleições e já chamou Lula de pinguço, respondeu: "Eu não vou deixar ninguém atacar ele, seja homem ou seja mulher. Eu espero que ela tenha ética para saber o papel que ela tem".
Em maio, Janja foi indicada para ser a enviada especial para as mulheres na COP30, e está viajando pelo Brasil para colher depoimentos.
COP30
Qual será o seu papel na COP 30?
Estou caminhando pelo Brasil com a enviada especial para a Igualdade Racial, [a médica e diretora da Anistia Internacional Brasil] Jurema Werneck, e a enviada para Direitos Humanos, a [advogada] Denise Dora.Nós somos as 'bagrinhas', as pobrinhas de um grupo que tem 30 enviados, a maioria deles com [atuação em] institutos, fundações, com uma inserção já solidificada em alguns temas. E resolvemos nos juntar.
Começamos por Manaus, na Amazônia. Foi uma experiência muito especial estar com aquelas mulheres e com grandes lideranças da floresta.
A gente vai tentar fazer essa conexão entre os anseios de uma pescadora da comunidade São Francisco, em Manaus, e os grandes líderes. Assim como as guerras, são mudanças que impactam mais fortemente a vida de mulheres e meninas.
Eu espero que ela [Michelle Bolsonaro] tenha ética para saber o papel que ela tem. Eu espero que não se repita o que ela fez [chamar Lula de pinguço]. Porque para nós, mulheres, o comportamento dela é muito ruimJanja
primeira-dama do Brasil
Mas que soluções a COP pode trazer para essas pessoas?
Vamos lançar a carta dos biomas para a COP 30. Obviamente, eu tenho um lugar privilegiado. E vou ter o prazer de entregá-la para cada um dos líderes. Assim como fiz no G-20: entreguei pessoalmente a cada um dos líderes da sala as resoluções do GT [Grupo de Trabalho] de empoderamento das mulheres.As pessoas me perguntam o que eu tô fazendo sentada lá [em reuniões de organismos internacionais]. Quando eu posso, eu faço isso, entendeu?
O presidente Donald Trump vem afinal para a COP?
O meu marido falou que vai convidá-lo, né? Vamos ver. Ele está convidado, assim como todos os líderes mundiais.A gente sabe de todas as dificuldades de [o evento ser em] Belém. Mas o presidente queria muito que fosse na Amazônia porque é o lugar mais falado, mais discutido.
Nós queremos sair das grandes tendas brancas e climatizadas em que até a água vem de fora. Na COP do Egito [em 2022], a água vinha da Itália. Falei "você faz uma COP por mudanças climáticas e emite carbono para trazer a água para o lugar em que isso está sendo discutido?".
MICHELLE BOLSONARO
No próximo ano, teremos uma campanha presidencial. E uma figura feminina, Michelle Bolsonaro, será central nos debates, qualquer que seja o cargo que ela dispute. Ela já chamou o presidente Lula de pinguço, e é muito difícil para um político homem, como Lula, rebater uma mulher na mesma moeda.Sinceramente, eu não estou preocupada com a figura dela, tá? Eu já disse que falo [as coisas] sem precisar xingar o marido de ninguém. Eu jamais faria isso.
Mas, na campanha, se houver ataques, você vai responder a ela?
Qualquer pessoa que ataque o meu marido, eu me sinto no direito de protegê-lo. Ele não precisa de proteção. Mas eu não vou deixar ninguém atacar ele, seja homem ou seja mulher.
Dependendo do nível de ataque, é óbvio que eu vou me colocar.
Eu espero que ela tenha ética para saber o papel que ela tem. Eu espero que não se repita o que ela fez. Porque para nós, mulheres, o comportamento dela é muito ruim. Não é sobre ela. É sobre as mulheres.
Já somos muito atacadas. Já temos dificuldade de alcançar lugares de decisão e poder. E quando a gente alcança, precisa ter muita responsabilidade no que faz e fala. E aquele comportamento dela não é o que a maioria das mulheres espera.
Qual será o seu papel na campanha de 2026?
A minha disposição, desde o começo do governo, foi a de conversar com as mulheres. É uma pauta fundamental para mim. Tenho feito isso ao longo desses dois anos e meio de governo. E vou continuar fazendo. As mulheres querem conversar.
Eu tenho conversado com grupos de mulheres evangélicas, por exemplo. Neles, a gente não fala sobre religião, porque não é sobre isso. A minha preocupação é entender como elas olham para nós e como as políticas públicas do governo impactam, ou não impactam, a vida delas.
Você encontra resistência ao governo nesses grupos?
Nada, nenhuma. Pelo contrário. E a gente tem conversado com diferentes segmentos dos evangélicos.
Não são reuniões enormes, porque eu não vou para falar. Eu vou para escutar. Por isso priorizamos reuniões menores.
O pastor [Silas] Malafaia diz que dá risada das minhas reuniões porque as mulheres evangélicas com quem eu estou conversando não têm importância.
Cada mulher tem importância. Não importa se é uma, se são duas ou se são mil. É típico de um homem falar isso.
Eu vou seguir nessa linha. Até que digam pra eu não fazer -o que não vai acontecer-, eu vou seguir conversando, priorizando o diálogo com as mulheres.
Esse vai ser o seu engajamento na campanha presidencial?
Eu acho que sim.
Mas ainda não pensei direito. Até porque o presidente não bateu o martelo de que vai se candidatar à reeleição.
LULA EM 2026
Ele vive falando que vai se candidatar, desde que esteja bem de saúde. Ele está bem?Ele fala que [vai se candidatar] se estiver forte. E forte ele está [ri]. Você viu o vídeo da semana passada [mostrando o presidente fazendo exercícios]?
Nesses dias fui na academia treinar na cadeira flexora e falei "meu Deus, olha o tanto de peso que tá nisso [nos aparelhos em que Lula tinha treinado]". Ele tinha feito academia de manhã.
Então, assim, ele é muito forte, graças a Deus. Ele foca muito. Nesta semana, ele treinou desde sábado até ontem [quinta]. Hoje ele não treinou porque foi viajar. A decisão de ser ou não candidato será dele. Mas ele está forte [risos].
Eu vou estar do lado dele, não importa a decisão que tome. Desde que estamos juntos, eu sempre respeitei a vida política dele.
É claro que eu sinto falta de um pouco de privacidade e de aconchego, de a gente viajar, essas coisas de casal comum. Eu já disse: a gente tem uma urgência que os casais jovens não têm. No final de semana, ficamos sozinhos, ali na piscina, vamos para [a Granja do] Torto e tal.
O pastor [Silas] Malafaia diz que dá risada das minhas reuniões porque as mulheres evangélicas com quem eu estou conversando não têm importância. Cada mulher tem importância. É típico de um homem falar issoJanja
primeira-dama do Brasil
As pessoas te culpam muitas vezes por afastá-lo delas. Mas é ele que quer?
É claro, porque a gente tem essa urgência. É uma decisão dele. Eu nunca, em momento algum, falei pra ele: "Ah, você não vai fazer reunião neste sábado". Se ele quiser fazer reunião no sábado e no domingo, ele faz. Domingo sempre tem encontros aqui [no Palácio da Alvorada]. Quando ele precisa, chama os ministros para cá. É sempre uma decisão dele.
Eu fui sempre clara com ele: "Vou respeitar todas as suas decisões porque eu que me inseri na sua vida, e não o contrário".
Ele tem uma caminhada importante para o Brasil e para o mundo, então eu tenho que respeitar e entender isso.
CRISE COM OS EUA
Lula dava a impressão às vezes de estar desanimado no governo, fazendo mais do mesmo nesse terceiro mandato. A crise com os EUA deu novo ânimo ao presidente?Você pergunta se colocou um pouco de pressão? De vigor no discurso? Pode ser.
Sabe o que foi aflitivo desde o primeiro dia de governo? Perceber que a gente ia ter que reconstruir o que a gente tinha construído, nos dois mandatos anteriores dele e nos da Dilma.
As coisas estavam meio "terra arrasada". Isso foi pouco falado. A gente passou dois anos fazendo isso mesmo, reconstruindo o ministério, as políticas públicas.
E não é tão prazeroso fazer isso. Você acha que ele queria estar inaugurando [obras do] Minha Casa Minha Vida paradas há dez anos? É óbvio que não. Ele queria lançar outras coisas.
E o embate com os EUA trouxe esse novo vigor?
Eu acho que sim. Ele gosta de fazer o bom combate. Embora não seja um bom combate do lado de lá, ele faz o bom combate aqui.
Nisso, o apoio do vice-presidente [Geraldo Alckmin] tem sido muito importante, o apoio do ministro Fernando Haddad, da Fazenda, também. Eles estão sendo fundamentais. É um tripé importante que se consolidou.
O tom do discurso está correto, o tom da soberania, que era algo de que não falávamos muito.
Muitas coisas que construímos no Brasil foram vendidas nos últimos dez anos [com privatizações]. Inclusive o pré-sal.
A desigualdade ainda é muito forte, por isso há um empenho na questão das tarifas e da justiça tributária. Tudo com o objetivo de levar o país a sair do patamar de sempre, do vir a ser. A gente quer ser.
FORA DA CAIXA
Dois anos e meio depois da posse, parece que você está hoje mais recolhida do que no começo do governo.Recolhida? Não. Eu tenho trabalhado muito, andado muito e viajado muito. Tenho feito muitas reuniões.
Talvez eu tenha saído um pouco do foco [das outras pessoas]. Talvez, finalmente...Eu acho que as pessoas tiraram um pouco desse foco ruim para colocar um pouco de luz boa no que a gente faz.
Não houve uma mudança de postura?
O trabalho que estou fazendo aqui [no governo] não é meu. Apesar de não ter cargo no governo, eu faço um trabalho conjunto. Anteontem, por exemplo, o presidente me pediu para fazer uma reunião com representantes da sociedade civil sobre temas relacionados aos autistas.
Foi um encontro com diversos órgãos do governo, do INSS ao Ministério do Esporte, para dar uma devolutiva à sociedade civil.
Então tem coisas que não aparecem, mas é um trabalho que eu faço, em parceria com ministros que entendem o meu papel de articuladora. Tanto que a plaquinha do meu gabinete continua lá, "Articulação de Políticas Públicas".
É uma coisa que eu fiz a vida inteira. Eu sei fazer. Por isso eu nunca quis um programa fechado para mim.
Não é que eu não caibo em uma caixinha. É que o mundo talvez seja grande demais para uma caixinha. Não é sobre mim. É sobre qualquer mulher. A necessidade que os homens têm de colocar a gente em uma caixinha é enorme.
Mas o próprio cargo não acaba te colocando na caixinha? Na campanha e no começo do governo, você cantava, dançava. Agora se comporta com um pouco mais de liturgia. Ou não?
Eu continuo com o mesmo espírito. Historicamente a primeira-dama é colocada em uma caixinha, para fazer filantropia, visitar obras sociais. Quiseram me colocar numa caixinha, mas desde o começo eu falei que esse não é o meu perfil.
A caixinha estava pronta para eu entrar. A minha recusa é que criou toda essa série de questões sobre o meu posicionamento. Não só internas do governo como externas, da própria imprensa, de mulheres jornalistas.
E me parecia ilógico mulheres jornalistas criticarem o fato de eu querer fazer diferente do combinado historicamente pelos homens.
Eu nunca entrei na caixinha. Toda hora querem me empurrar para dentro da caixinha. E eu sempre digo "ali, não. Não vou entrar nessa caixinha".
Mas deixa eu te falar uma coisa importante. Eu sou uma pessoa normal. É óbvio que todos os ataques que eu sofri, principalmente do meio do ano, até o final do ano [passado], é claro que me deixaram desestruturada [Janja se emociona].
Teve um momento em que eu quis pegar a minha bolsa e as minhas cachorras e sair, voltar para a minha casa. "Vou ficar lá".
Eu acho que isso deve ter acontecido com muitas primeiras-damas [no passado]. Muitas. E muitas também se fecharam por conta disso. Porque hoje a gente tem internet, mas os ataques sempre aconteceram.
MUSK
Em que momento esse sentimento foi mais agudo?Teve muitos momentos. O da China foi o que talvez me deixou mais abalada [quando integrantes da comitiva de Lula vazaram à imprensa que ela causou mal-estar ao se dirigir ao líder chinês Xi Jinping em um jantar, o que o presidente nega].
A gente teve o caso da menina de 8 anos que morreu cheirando desodorante [em Brasília, ao participar de um desafio do TikTok]. Eu falei sobre isso com o presidente Xi e a primeira-dama [da China]. Eu estava muito impactada com aquilo. E fui duramente criticada [no Brasil].
Aí vem um menininho branco e bonitinho, todo certinho da internet [referindo-se ao influenciador Felipe Bressanim Pereira, o Felca], e fala que isso acontece. Aí valeu. Todo mundo se preocupou.
Eu acho maravilhoso o que ele fez. Ainda bem que deu resultado. Não sou só eu que falo. A Xuxa fala disso há anos.
Naquele momento, eu tive um apoio grande das meninas que trabalham comigo, sabe? De estar ali sempre, segurando na minha mão.
Porque não é fácil. Não é fácil estar nesse lugar em que eu estou. O povo acha "ai, fica viajando".
Não é fácil, é difícil. Eu sei que quando estou na linha de frente falando com as pessoas, com as mulheres, elas olham através de mim e enxergam o presidente.
Óbvio: eu sou uma pessoa normal, e às vezes talvez me escape [palavras], como foi no caso de [quando ela disse 'fuck you'] Elon Musk. Eu já disse: não me arrependo do que falei, mas sim de aquilo ter deixado na sombra todo o trabalho que a gente fez no G-20, principalmente pela Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza.
Eu também erro. Mas sei que tenho que ter muita responsabilidade no que eu falo.
E eu não faço nada sem ter antes discutido muito com ele [Lula]. Quando eu tenho dúvida, converso com meu marido sobre as questões. As pessoas acham que não, mas a gente dialoga muito. Eu falo muito para ele das minhas angústias.
Às vezes é difícil porque ele é homem, pode não entender dessas angústias. Por isso que ter mulheres ao meu redor é importante, né? Porque hoje eu não tenho as minhas amigas aqui comigo. Elas moram em lugares diferentes.
É óbvio que todos os ataques que eu sofri me deixaram desestruturadaJanja
primeira-dama do Brasil
E depois desse período?
Eu passei por esse momento, mas segui firme. Tenho que seguir firme porque foi a isso que me dispus. Foi um momento ruim, mas que eu tive apoio da minha equipe e de outras mulheres. Quando eu digo que uma mulher não deve nunca soltar a mão de outra, é por isso, entendeu?
Mas isso não impede que uma mulher te critique. Senão fica aquela coisa, só porque você é mulher, não podemos te criticar.
Eu não estou falando de crítica. Eu estou falando de ataques. De um ataque desmensurado. No começo do governo, fizeram ataques ao meu corpo, com imagens nuas na internet, de deep fake, esse tipo de coisa. Inúmeros, inúmeros, inúmeros.
Depois [foi atacada] pelas coisas que eu falo, como quando falei do genocídio em Gaza. O objetivo principal é que eu me cale, entre na caixinha e fique ali.
Ou atingir o presidente?
Com certeza. Por isso que eu tenho que ter muita responsabilidade no que falo, no que faço, em como me comporto. É óbvio que a Janja da campanha não pode ser a mesma aqui no mandato.
Eu falei com o presidente Xi [sobre crianças vítimas da internet] e fui duramente criticada. Aí vem um menininho branco e bonitinho, todo certinho da internet [Felca] e fala que isso acontece. Aí valeu. Todo mundo se preocupou.Janja
primeira-dama do Brasil
Mas em 2026 vai ser a Janja da campanha no mandato.
Eu não mudei a minha personalidade. Mas eu não posso sair cantando em um evento, como eu podia na campanha. Porque era diferente. Era o momento de estar fazendo aquilo. A gente precisa saber se colocar nos lugares em que estamos.
O pessoal me criticou quando eu falei com o Xi Jinping. Mas eu tenho consciência, me considero uma pessoa inteligente para saber os momentos em que eu posso falar.
Eu falei com o [presidente da Rússia, Vladimir] Putin. Não posso falar com o Xi Jinping? Eu falei com o Putin, contei para ele que tenho origem eslava.
Folha de S;Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2025/09/janja-diz-que-ja-quis-pegar-a-bolsa-e-as-cachorras-para-ir-embora-de-brasilia.shtml