O deputado licenciado Eduardo Bolsonaro. - Saul Loeb-20.fev.25/AFP |
Eduardo Bolsonaro critica Tarcísio por negociar com EUA: 'É um desrespeito comigo'

Eduardo Bolsonaro critica Tarcísio por negociar com EUA: 'É um desrespeito comigo'

Filho de Bolsonaro diz ser mais efetivo que Itamaraty e que Trump ainda não usou força total

Julia Chaib

Filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirma que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), errou ao tentar negociar uma saída para as tarifas de 50% com a Embaixada dos Estados Unidos. "É um desrespeito comigo", disse à Folha.

"Nós já provamos que somos mais efetivos até do que o próprio Itamaraty. O filho do presidente, exilado nos Estados Unidos. Queria buscar uma alternativa lateral. É um desrespeito comigo. Mas eu não estou buscando convencimento da população, eu estou buscando pressionar o Moraes."

Eduardo afirma ainda que não se arrepende da pressão que fez por retaliações ao Brasil nos EUA mesmo que isso possa favorecer o presidente Lula (PT). Diz também que só voltará ao Brasil se o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), sofrer sanções do governo dos Estados Unidos.

Cotado como candidato a presidente no ano que vem, Tarcísio buscou remover o desgaste diante da crise do tarifaço anunciado por Donald Trump e, na semana passada, fez uma rodada de conversas que passou por Bolsonaro, por ministros do STF e pelo chefe da embaixada dos Estados Unidos no Brasil.

O governo Lula tem associado as consequências econômicas do tarifaço à oposição, inclusive a Tarcísio, aliado de Bolsonaro.

Na mesma entrevista à Folha, Eduardo diz que "provavelmente" vai abrir mão do mandato na Câmara. Ele pediu licença do mandato em março, e o afastamento vence na próxima semana.

Antes de falar à reportagem, ele afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que "por ora" não volta. "A minha data para voltar é quando [o ministro do Supremo Tribunal Federal] Alexandre de Moraes não tiver mais força para me prender."

Procede que vai abrir mão do mandato de deputado?
Ainda tenho assessores me dando alguns inputs [ideias] aqui, mas, se for preciso. Não consigo bater o martelo porque, se eu tiver uma alternativa, não vou perder. Mas o prazo [da licença] termina final de julho. Se for necessário, eu não volto. E não vejo a possibilidade de eu voltar [agora, porque, se eu voltar, o Alexandre vai me prender. Mas muito provavelmente [vou abrir mão].

Quais são as opções?
Só preciso me pronunciar definitivamente após o recesso, ou seja, 4 de agosto. Tenho a opção de não renunciar, deixar o tempo correr e perder o mandato por falta.

O [deputado] Evair de Melo [PP-ES] fez uma proposta de alteração do regimento que valeria para casos excepcionalíssimos como o meu, para que eu consiga exercer o mandato mesmo à distância, fazendo votação por telefone e celular.

Qual é a chance de isso dar certo?
Não sei. O nosso pessoal que está articulando dentro da Câmara.

Qual é o seu desejo?
O meu desejo seria de ter um país normal onde o deputado não fosse preso por falar ou por se relacionar com autoridades internacionais. O meu desejo é que um deputado de direita tenha o mesmo direito de um deputado de esquerda. Porque, no passado, [o deputado federal Guilherme] Boulos foi a Portugal, o [ministro do STF Cristiano] Zanin, por exemplo, fez campanha do Lula livre em diversos tribunais internacionais, já fizeram pedido de prisão do Jair Bolsonaro no TPI [Tribunal Penal Internacional], e nunca deu em nada. Só que, ao que parece, querem tirar o Bolsonaro da corrida presidencial e a possibilidade de eu sucedê-lo também.

Então, se o Brasil é um país que faz política desse jeito, o Judiciário é que faz política, então significa que não há uma harmonia entre os Poderes, e o Brasil não é uma democracia, é uma ditadura. E será dado a ele o tratamento de ditadura. Engana-se quem acha que pode viver numa ditadura e ter os benefícios do mundo livre. E o Trump não usou força total. Ele poderia ter feito muito mais.

Qual é a força total? O que ele pode fazer?
Ele pode chegar ao extremo de fazer igual a [o que fez com a] Rússia.

Ameaçar com 100% de tarifas?
Ele congelou o acesso da Rússia ao sistema swift [sistema financeiro global] inteiro, proibiu empresas americanas de fazerem investimento na Rússia, de receberem investimento russo. Ele congelou bem de um monte de oligarca russo. Na verdade, foi o [ex-presidente dos EUA Joe] Biden. Mas eu estou querendo dizer o seguinte: o governo americano tem muito mais instrumentos mais sensíveis do que tarifa de 50%. Trump já avisou na carta dele. Se o Brasil retaliar, ele vai adicionar isso [a taxa eventualmente aplicada pelo Brasil] ao percentual da "tarifa Moraes" de 50%. Ou seja, se [o Brasil retaliar com] for 50%, totalizaria um total de 100% de tarifa.

Agora seu desejo é permanecer como deputado?
Só para voltar. O Congresso aprovou uma lei inócua. E me causa estranheza gente da direita apoiar o projeto de lei da reciprocidade, porque ainda dá a oportunidade de o Lula dizer que está agindo em nome das instituições brasileiras, do povo brasileiro inteiro, porque foi um projeto aprovado com o apoio de muita gente da direita. Um projeto que teve a iniciativa da senadora Tereza Cristina.

Agora o senhor está sendo muito criticado, inclusive por alguns integrantes da própria direita, que não estão dando suporte a essas tarifas. O próprio Zema, por exemplo, veio a público dizer que as tarifas não são positivas, o Tarcísio...
O Zema e o Tarcísio vieram a falar isso depois de declarações iniciais muito mais firmes. Vieram a falar isso provavelmente depois de conversas de telefone, né? Não tenho como comprovar, mas eu acho que eles tomaram alguma pressão. Principalmente o Zema. O STF está correndo pelos bastidores para pressionar empresários brasileiros e políticos brasileiros a tentar jogar a culpa disso tudo.

Só que o Trump foi muito claro. Ele está colocando as tarifas por causa de quê? Regulamentação das big techs. Eles mandaram recado para os americanos de regulamentar a internet independentemente daquilo que os americanos pudessem fazer em retaliação. Então agora segura a onda.

Então agora é hora de ser homem, assumir a responsabilidade e entender que o que o Trump está pedindo são ações do Judiciário brasileiro, regulamentação da internet, eleições limpas e transparentes e parar com a perseguição a Bolsonaro e seus apoiadores.

É por isso que eu tenho batido na tecla de que não é uma questão do Lula O Lula vai dobrar a aposta, o Lula é irresponsável, o Lula não tem compromisso com o interesse público. Ele vai querer jogar o Brasil no colo da China e da Rússia, ele está achando maravilhoso tudo isso, vendo como uma possibilidade única de ele tentar resgatar a popularidade dele. E o que eu tenho falado? Deixa o Lula de lado. Esqueça o Lula. O Lula vai morrer sozinho politicamente. O foco é no Moraes.

De toda forma, com relação ao Zema e o Tarcísio, essa foi a posição final deles. Neste domingo o próprio Jair Bolsonaro admitiu que as tarifas não seriam benéficas para o país, fazendo ali um apelo por recurso. Então existe algum tipo de arrependimento nessa sua atitude?
Nenhum. O que não é benéfico para o país é continuar jogando velhinha na cadeia, é continuar ligando para o presidente do partido quando tem que votar a manutenção de prisões de Daniel Silveira. Para resolver o problema, tem que atuar na causa, e a causa é institucional. Ou o Brasil se comporta como uma democracia ou vai ser [tarifa] de 50% para mais.

Embora você diga que não é sobre o governo Lula, o governo está explorando isso amplamente. Tem gente falando de um efeito Mark Carney [primeiro-ministro do Canadá] no Brasil, quer dizer, dizendo que isso poderia favorecer o Lula e ser um tiro no pé para a direita. Como responde a isso?
São comparações indevidas, porque no Brasil a eleição é em 2026. Existe uma situação que é diferente da do Canadá, dessa crise institucional que a gente vive, de perseguição política etc. Agora tudo tem um risco. Se for retirada da equação essa tarifa, o Brasil vai voltar a ter aquele caminho de uma eleição sem a participação da oposição em 2026. Vai ter apenas uma oposição permitida.

Você está se referindo ao Tarcísio?
Estou falando de qualquer um que o sistema deixasse elegível para o ano que vem. Por que eles estão querendo me prender? Por que o Jair Bolsonaro está inelegível?

Governo e Judiciário são firmes em dizer que não haverá recuo.
Então, antes de melhorar vai ter que piorar. Eu nunca vi o Trump voltar atrás. O Trump já teve sucesso nas negociações com o [ex-primeiro ministro Justin] Trudeau no Canadá, com o México, no Irã nem se fala. Então, eu não creio que o Brasil será o primeiro país a ter sucesso contra o Trump.

E que perspectiva de melhora seria essa?
Ele, pelo que eu entendi, vai aplicar em 1º de agosto só as tarifas de 50% e depois vai ficar fazendo reanálise.

E se até 2026 continuar o mesmo cenário?
Aí é Venezuela. Eu vou começar a receber os brasileiros aqui nos Estados Unidos, ajudar eles com o processo de visto.

Em momento algum, então, o senhor acha que essa foi uma decisão equivocada?
Não acho. Acho que está muito acertado. E, no final, quando a gente sair vitorioso, as pessoas vão se dar conta disso.

Como espera convencer a população se houver aí uma avaliação de que a maior parte está contra as tarifas pelos efeitos que elas podem causar economicamente para o país e no próprio bolso?
Mas eu não estou buscando convencimento da população, eu estou buscando pressionar o Moraes. Se o Moraes entende que vale a pena trancar a velhinha de 70 anos na cadeia, tratando como terrorista, condenados a 14, 15, 16 anos, é o preço que o país vai pagar. Não depende mais de mim. Eu não tenho poder sobre o Trump, acho que nem a esposa dele tem poder sobre ele.

A única saída para o Brasil se livrar dessa tarifa é com o Alexandre de Moraes recuar. Dentre os vários pontos que o Trump botou, a primeira sinalização efetiva de que há uma vontade de sentar para negociar a tarifa com os americanos é aprovar a anistia.

Como se chegou a essa solução por tarifas? Porque até então o senhor falava em sanções específicas.
Foi uma decisão do Trump.

Mas essa foi uma sugestão que vocês deram a ele?
Não, foi uma decisão do Trump. Acho que a maneira que ele achou é a maneira mais efetiva de se fazer pressão.

E as sanções estão sobre a mesa?
Sim, sim. Isso daí continua a correr em paralelo.

E a sua expectativa é que elas saiam?
Sim, eu tenho uma expectativa de que saia sim. Eu acho importante ressaltar o seguinte. Se a Lei Magnitsky for aplicada, já existe margem para você aplicar para além do Moraes. Ele pode aplicar para cima da esposa do Moraes, para cima do Fábio Schor [delegado da PF], para cima de outras autoridades brasileiras. Então, se as autoridades brasileiras quiserem se presentar e antever esse caso de caos para elas próprias, individualmente, é providencial que elas leiam a carta do Trump e ajam rápido para desarmar essa bomba.

O julgamento do Marco Civil foi importante para acelerar essa decisão?
Eu acho que foi muito importante.

O senhor conversou com o seu pai sobre esse assunto? Qual é a posição dele?
Não falo por ele. Ele está refém do sistema. É bom falar com ele, porque é muita responsabilidade eu falar em nome dele.

E o senhor conversou com o Tarcísio?
O Tarcísio utilizou os canais errados. O filho do presidente está nos Estados Unidos. O Tarcísio não tem nada que querer costurar por fora uma decisão que provavelmente vai chegar a mais um acordo caracu [expressão popular usada quando apenas um dos lados da parceria sai prejudicado]. O Tarcísio tem que entender que o filho do presidente está nos Estados Unidos e tem acesso à Casa Branca.

Qualquer tentativa de nos dar bypass [atravessar] será brecada e freada. Nós já provamos que somos mais efetivos até do que o próprio Itamaraty. O filho do presidente, exilado nos Estados Unidos. Querer buscar uma alternativa lateral é um desrespeito comigo.

E sua pretensão de ser candidato a presidente? Tem chance ainda?
Só se o Moraes for isolado. Senão não tem como. Se eu voltar para o Brasil hoje, eu sou preso. Mas eu acho que tem esperança de ele ser sancionado e a gente conseguir ter sucesso.

Se ele for sancionado, qual vai ser o efeito disso?
Ficará enfraquecido.

Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2025/07/eduardo-bolsonaro-critica-tarcisio-por-negociar-com-eua-e-um-desrespeito-comigo.shtml