- Tito Gusmão critica corretoras que oferecem em seu cardápio investimentos que elas não recomendariam
- O executivo também fala dos conflitos de interesses que levam casas a venderem ativos como os COEs da Ambipar
Stéfanie Rigamonti
São Paulo
Sócio da XP por nove anos, Tito Gusmão conhece a fundo o mercado brasileiro de assessores de investimentos, cujo modelo predominante ele critica hoje. Quando fundou a corretora Warren, em 2017, no Rio Grande do Sul, ele tentou trazer a lógica dos family offices -que gerem grandes fortunas- para o investidor pessoa física comum.
O modelo prevê a cobrança de uma taxa fixa -e não de comissões, que muitas vezes levam as casas a ofertarem produtos duvidosos. Ele garante que nenhum cliente da Warren investiu no CDB do Banco Master, mesmo antes de toda a polêmica em torno da venda da instituição financeira para a estatal BRB (Banco de Brasília). Para o executivo, a oferta do produto esbarrou em conflitos de interesses de corretoras, assim como o caso dos COEs (Certificados de Operações Estruturadas) da Ambipar.
Por que temos visto uma avalanche de reclamações na internet sobre prejuízos com aplicações consideradas arriscadas por corretoras?
Para o cidadão comum é difícil investir, o mercado é feito de uma sopa de letrinhas. E aí essas pessoas muitas vezes delegam para um terceiro, que é o agente autônomo ou o gerente do banco. Mas eles ganham comissão com o produto que indicam. Então, oferecem um produto cuja comissão é maior, como um COE da Ambipar ou um CDB do Banco Master. É uma indústria cheia de conflitos de interesses.
Mas, no caso do Master, muitos investidores aplicaram no CDB por conta própria.
Tiveram os dois casos. Sem dúvida, muitos olharam um rendimento de 150% do CDI e colocaram dinheiro no título. Mas aí tem um papel da corretora de mostrar isso para o investidor. Na Warren, fizemos um relatório recomendando que ninguém investisse em Master, e não ofertamos esse produto na prateleira. O banco pagava altas comissões para as corretoras, que ganharam muito dinheiro para distribuir seus títulos [consultado, o Master não comentou].
Então, só de distribuir o produto já é um conflito de interesses?
Se você é dono de um supermercado e vende iogurte vencido na prateleira, de quem é a responsabilidade pela compra desse iogurte? Do cliente ou do estabelecimento? Se eu fosse dono de um supermercado, eu não colocaria lá produto suspeito. E foi o que fizemos. Nenhum cliente da Warren comprou CDB do Banco Master ou [títulos da] Americanas.
Mesmo antes do burburinho sobre essas duas empresas?
Sim, porque existe um dever nosso de informar, senão a pessoa vai na decisão rápida do momento [comprar quando o ativo está em alta].
Bancos e corretoras alegam que investidores que tomaram prejuízo com aplicações arriscadas conheciam os riscos porque tinham o perfil arrojado de investimento e possuíam muito dinheiro alocado.
Eles se blindam com esse discurso. É certo que os clientes deveriam ler tudo o que tem nos materiais informativos das casas onde eles investem. Mas, na verdade, a gente sabe que as pessoas não leem. Então, juridicamente, as corretoras estão respaldadas. Mas o problema aqui é moral, de como funciona a indústria. Porque as pessoas não entendem os bastidores. Os assessores usam argumentos de venda e isso é uma grande armadilha.
E como resolver esse problema?
Eliminando esse modelo de remuneração por comissão.
A resolução 179 da CVM [Comissão de Valores Mobiliários], de 2023, que exige mais transparência sobre a remuneração dos assessores, não resolveu esse problema?
Melhorou. Eu não vou dizer que é uma solução cosmética, mas quase isso. Os corretores sabem como dar uma maquiada nessa informação. E, de novo, a pessoa não lê a nota de corretagem. O que realmente resolve é banir esse modelo.
Qual é o formato ideal?
Cobrar um fee [taxa fixa] transparente na gestão de patrimônio do cliente. E a comissão que a corretora recebe [para estruturar produtos para empresas, por exemplo] deve ser devolvida para o cliente. Parece um modelo disruptivo, totalmente novo, mas não é. É assim que funciona um family office, é assim que os super-ricos investem. É assim que o Guilherme Benchimol [fundador da XP] investe o dinheiro dele. Ele não investe na XP. Esses caras investem num modelo diferente do que eles vendem para os clientes [consultada, a XP disse que não comentaria].
Os prejuízos de clientes da XP e do BTG com os COEs da Ambipar são mais um exemplo de conflito de interesse dessa indústria?
O COE é um instrumento estruturado. O mecanismo é muito interessante. Porque é uma estrutura de derivativos que pode ajudar as pessoas a terem algum ativo mais protegido de certa forma. Mas o que acontece é que ele geralmente não é vendido para as pessoas certas. Vem o cara com coletinho bacana, um gelzinho no cabelo e um discurso rebuscado e oferece para o cliente leigo, que acha que é um produto perfeito para ele e, sem nem entender direito, vai lá e compra. No fim das contas, o produto só foi vendido porque paga 5% de comissão. E se o cara que está vendendo bater a meta de distribuição, os 5% viram 7%, 8%, 10% de comissão.
Mas a corretora não leva o prejuízo também com a desvalorização dos COEs?
Não, quem toma o prejuízo é 100% o cliente. A instituição financeira faz operações de proteção para neutralizar essa perda ao máximo para a tesouraria. Eventualmente, a tesouraria pode errar e ter algum prejuízo. Mas, nesse caso da Ambipar, as corretoras, com grande probabilidade, não perderam absolutamente nada.
Então, na teoria, o COE seria um modelo bom de investimento?
O instrumento é bom, só que a turma é tão gananciosa, bota tanta comissão em cima do produto, que a relação de risco x retorno fica horrível. E ele não é vendido para as pessoas certas. O correto seria explicar de que forma o produto foi estruturado e dizer que é cobrada uma comissão justa, porque tem que cobrar para estruturar. Mas 2%, não 15%. E mais, pegar o portfólio de clientes e ligar para aqueles que, de fato, são arrojados e explicar a operação, assim como sugerir que o investimento ocupe uma porcentagem pequena da carteira.
Como funciona para estruturar esse tipo de operação?
As corretoras têm dentro de casa as suas mesas de derivativos. Os derivativos têm esse nome porque derivam de algum outro ativo. Vou te dar um exemplo. Como somos do sul, temos uma base grande de clientes que são funcionários ou ex-funcionários de WEG [indústria catarinense]. A empresa tem um programa em que parte do PLR [participação nos lucros ou resultados] é em ações da companhia na Bolsa.
Então, dado que a pessoa não quer vender as ações, porque é sócia da empresa, montamos uma operação em que, se a ação da WEG cair X%, o investidor estará protegido. Por trás, existe o time de tesouraria que vai montar as operações para os clientes. Todas as corretoras e bancos têm esse time, que estrutura operações como essa. Só que em troca dessa proteção cobro do cliente 1%, 2%, que é o que normalmente se cobraria se as empresas trabalhassem de forma justa.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painelsa/2025/10/ofertar-cdb-do-master-e-como-supermercado-vender-iogurte-vencido-diz-ceo-da-warren.shtml





