Mesmo condenado, Bolsonaro pauta agenda política, por Luiz Carlos Azedo

Mesmo condenado, Bolsonaro pauta agenda política, por Luiz Carlos Azedo

A chamada "pacificação nacional" é defendida pelos bolsonaristas como eufemismo para impunidade. É uma encruzilhada: anistiar o crime de golpe de Estado ou enfrentar o risco de radicalização e instabilidade institucional

Menos de uma semana depois de ter sido condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes, o ex-presidente Jair Bolsonaro segue ditando a pauta política em Brasília. Embora em prisão domiciliar, continua articulando com aliados para reverter o efeito de sua condenação. Ontem, sua defesa pediu ao ministro Alexandre de Moraes autorização para receber visitas de lideranças estratégicas, entre elas o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o relator do projeto de anistia na Câmara, deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), que já apresentou parecer favorável à medida.

Bolsonaro conserva a capacidade de mobilizar sua base parlamentar e tensionar as instituições. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a proposta de anistia avança com o apoio do PL e de setores do Centrão, sob a narrativa de "pacificação nacional". Mas, na prática, funciona como um instrumento para esvaziar a decisão histórica do STF e abrir caminho para sua reabilitação política.

O governo percebeu a gravidade da ofensiva e intensificou as articulações para barrar o projeto. Também ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu-se no Palácio da Alvorada com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), em encontro não registrado na agenda oficial. Segundo relatos, Lula reiterou sua posição contrária à anistia e cobrou que o Legislativo não endosse uma medida que, em sua visão, desmoraliza o Judiciário.

Ao mesmo tempo, buscou manter abertas as pontes de negociação ao tratar de pautas econômicas de interesse direto da população, como a medida provisória que amplia a tarifa social de energia elétrica e o projeto que isenta de Imposto de Renda quem recebe até R$ 5 mil. O Palácio do Planalto depende de Motta para mudar a pauta da Câmara e virar a página da anistia, a partir de uma negociação no Senado, para aprovação de um projeto de redução das penas dos condenados de 8 de Janeiro. O problema é que onde passa boi, passa boiada.

Ambiente deteriorado


A relação entre o Congresso e o Supremo ganhou nova fonte de atrito depois da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino de suspender os repasses das chamadas "emendas Pix". Usadas para transferir recursos federais diretamente a estados e municípios, essas emendas movimentaram R$ 17,5 bilhões entre 2020 e 2024, sem rastreabilidade adequada. Auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou irregularidades em nove cidades, que vão de superfaturamento e desvios de objeto, até falhas graves de transparência. Dino não apenas bloqueou os recursos, como acionou a Polícia Federal (PF) para investigar, escancarando um esquema que vinha funcionando como válvula de escape orçamentária para parlamentares.

A medida reforça o discurso de combate à corrupção e atende às exigências de transparência fixadas pelo STF desde 2024, mas provocou forte reação no Congresso, que se vê privado de um instrumento fundamental de barganha política. A suspensão das emendas pode isolar o governo em votações estratégicas, inclusive na própria batalha contra a anistia.

Enquanto isso, no cenário internacional, a pressão norte-americana cresce. O secretário de Estado, Marco Rubio, classificou os ministros do STF como "juízes ativistas" e prometeu anunciar, em breve, medidas adicionais contra o Brasil, em resposta à condenação de Bolsonaro. Em entrevista à Fox News, chegou a acusar a Corte de tentar punir cidadãos americanos de forma extraterritorial.

Donald Trump reforçou o discurso, chamando a decisão de "terrível" e demonstrando insatisfação com o julgamento. Essa combinação de vozes republicanas não apenas fortalece Bolsonaro no discurso interno de perseguição política, como também ameaça o país com sanções que podem atingir setores estratégicos da economia e comprometer relações comerciais de peso.

A tese de "pacificação nacional" é defendida pela base bolsonarista como um eufemismo para a impunidade. A democracia brasileira vive mais uma encruzilhada: aceitar uma anistia que relativiza o crime de golpe de Estado ou enfrentar o risco de radicalização e instabilidade institucional, no qual a governabilidade do país está sendo posta à prova

O resultado é um ambiente político deteriorado: Bolsonaro, mesmo condenado, segue como polo de atração da oposição, orientando a agenda do Congresso e provocando reações do Executivo e do Judiciário. Lula busca resistir sem romper com a Câmara. Dino investe na transparência e enfrenta a ira parlamentar. E o STF tenta preservar a autoridade de sua decisão histórica. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos intervêm abertamente, sinalizando que o futuro das relações bilaterais dependerá do destino político de Bolsonaro.

Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/mesmo-condenado-bolsonaro-pauta-agenda-politica/