O Brasil é refém do calendário eleitoral e de interesses subalternos
Por Murillo de Aragão
É chover no molhado dizer que o Brasil atravessa uma quadra particularmente difícil. Ainda assim, há aspectos que merecem destaque. No plano interno, vivemos um conflito institucional em que os Três Poderes disputam prerrogativas e competências em intensidade crescente. No plano externo, enfrentamos uma tormenta geopolítica: pressões e expectativas ligadas ao Brics, críticas ao suposto protecionismo da política tarifária e as repercussões do julgamento dos envolvidos no 8 de Janeiro. Tudo isso se soma a um ambiente econômico que cobra previsibilidade e recebe de volta instabilidade.
Mais grave do que os problemas é o pano de fundo que os alimenta: a fragilidade das lideranças, públicas e privadas. No setor público, demasiada energia se concentra na disputa por poder, na preservação de benefícios e na busca de vantagens eleitorais. O governo opera de forma fragmentada, com ministros mirando 2026 em vez de entregar no presente. Falta coesão, lealdade e foco em resultados; sobra cálculo de conveniência. A sobreposição de política de governo à política de Estado virou regra, ampliando a desconfiança e encurtando o horizonte do investimento.
No campo político, a prioridade já é a eleição vindoura, condicionando decisões do Executivo e do Legislativo. A pauta eleitoral se sobrepõe às necessidades estruturais enquanto questões críticas pressionam o país: a potencial crise fiscal, a insegurança pública e a agenda geopolítica. Sem coordenação, cada ator empurra seu pedaço de agenda, mas ninguém cuida da arquitetura do todo. Planejamento some; improviso toma o lugar. O curto prazo sequestra a narrativa e a ação.
"Faltam figuras que transcendam interesses imediatos e atuem em defesa do país"
No setor privado, o cenário tampouco anima. Salvo exceções, indústria, comércio e serviços carecem de vozes capazes de dialogar com o Estado em nome do interesse coletivo. A defesa se dispersa em pautas setoriais, não em uma agenda nacional. Só em crises agudas as lideranças civis se mobilizaram por soluções abrangentes. No restante do tempo, prevalece a leniência, a terceirização da política e a espera por "salvadores da pátria".
Diante disso, acumulamos quatro dilemas simultâneos: (1) conflito institucional que faz do Judiciário a peça central da disputa entre Executivo e Legislativo; (2) lógica eleitoral que aprisiona a ação política ao curtíssimo prazo; (3) escalada da insegurança, com o crime organizado ocupando espaços do Estado; e (4) contencioso diplomático com os Estados Unidos que expõe vulnerabilidades e incerteza regulatória. Some-se a volatilidade normativa, que erode a confiança e encarece o custo do capital.
Nesse contexto, o apagão de lideranças passa quase despercebido. Faltam figuras que transcendam interesses imediatos e atuem em defesa do país. Liderar é arbitrar conflitos, construir consensos possíveis e entregar. Hoje, porém, a política recompensa quem cria ruído, não quem produz resultado. O país fica refém do calendário eleitoral e das tendências passageiras, enquanto problemas reais - produtividade, educação básica, infraestrutura, segurança jurídica e competitividade - seguem sem patrocinadores consistentes.
Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2025, edição nº 2961
https://veja.abril.com.br/coluna/murillo-de-aragao/apagao-das-liderancas/