O retorno do chanceler Mauro Vieira ao Brasil, sem conseguir uma audiência com representantes da Casa Branca, sinaliza o fracasso da tentativa diplomática de alto nível antes da entrada em vigor das tarifas de 50%
O governo brasileiro enfrenta, neste momento, um dos mais complexos dilemas da política externa contemporânea: aceitar a humilhação implícita nas exigências políticas do presidente Donald Trump para suspender o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros ou arcar com as consequências econômicas de uma medida punitiva, injusta e de motivação extra comercial.
O retorno do chanceler Mauro Vieira ao Brasil, sem conseguir sequer uma audiência com representantes da Casa Branca, sinaliza o fracasso da última tentativa diplomática de alto nível antes da entrada em vigor das tarifas, prevista para 1º de agosto. O nosso ministro das Relações Exteriores sequer foi recebido pelo secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, um falcão da extrema-direita da Flórida.
O silêncio de Washington revela disposição de confronto e chantagem, não de negociação, como aliás vem anunciando o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), interlocutor de Rubio e artífice da crise diplomática e comercial. A principal exigência de Trump é a revisão da inelegibilidade e a suspensão do julgamento de Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A medida já provoca impactos no mercado interno: a retração nas encomendas dos EUA derruba os preços da carne e das frutas no Brasil, o que favorece os consumidores de um modo geral, especialmente os de menor renda, que podem sonhar com a picanha de domingo. Entretanto, como na fábula da cigarra e da formiga, a incerteza sobre o destino das exportações paralisa cadeias produtivas inteiras.
O caso do suco de laranja é emblemático: com quase metade de suas exportações indo para os EUA, o setor alerta para uma crise iminente e anuncia que vai deixar as laranjas apodrecerem no pé. Por outro lado, a alta dos contratos futuros de café pode beneficiar alguns produtores no curto prazo, mas não favorece nossos consumidores nem compensa as perdas estruturais de mercados.
A indústria sofre os efeitos mais agudos: segmentos como autopeças, aviação e eletroeletrônicos enfrentam o risco de ruptura de contratos e paralisia nos investimentos, diante da insegurança jurídica e comercial.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem reiterado disposição de negociar, mas as informações recentes de Washington, segundo diplomatas e a missão parlamentar que viajou para Washington, é de que Trump estaria irritado com declarações e comentários irônicos e/ou desafiadores de Lula e pretende impor uma humilhação ao presidente brasileiro para começar a conversar.
Há uma dimensão política e ideológica: ao vincular o fim das tarifas à interrupção do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, Trump rompeu todos os protocolos diplomáticos e expôs a real motivação da medida: pressionar o Brasil a abandonar sua independência institucional e judicial. Trata-se de uma "quase sanção econômica", travestida de disputa comercial, com objetivo explícito de interferir no funcionamento da democracia brasileira.
Medidas de emergência
Nesse cenário, o Brasil precisa combinar firmeza institucional e prudência, com uma estratégia de enfrentamento sofisticada, em níveis diplomático, comercial e financeiro. No plano diplomático, acionar a Organização Mundial do Comércio (OMC) e buscar o apoio de parceiros estratégicos - na União Europeia, no Brics e no G20 -, o que não é fácil, diante da natureza extra-comercial da medida americana.
A coalizão com países também afetados, como México e Canadá, pode reforçar o desgaste da Casa Branca, mas nada disso muda o fato de que Trump se lixa para as convenções internacionais: usa seu poder econômico e militar de forma imperial. O ultimato de 10 dias que deu ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, para acabar com a guerra da Ucrânia, mostra que quem pode mais, pode menos.
No plano comercial, a diversificação dos mercados torna-se urgente. Produtos como café, carne e minério podem ser redirecionados, em parte, para a China, porém, a preços menores. Entretanto, produtos industrializados, como aviões e autopeças, não encontrarão substitutos fáceis de mercado. Por essa razão, o governo terá de adotar medidas de emergência, como na crise financeira de 2008 e durante a pandemia.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já anunciou que essas medidas estão sendo preparadas e serão indispensáveis para amortecer os impactos sobre a produção e o emprego. Para além da lógica da compensação, o Brasil precisa fortalecer sua soberania produtiva, ampliar o financiamento às exportações com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Novo Banco de Desenvolvimento, o banco do Brics, estimular acordos bilaterais com moedas locais e incentivar a substituição de insumos importados.
A crise tarifária é uma armadilha de Trump, que pretende testar os limites do governo Lula, humilhá-lo publicamente ou empurrá-lo para uma espiral de retaliações que comprometam a recuperação econômica brasileira. Por isso mesmo, o Brasil deve seguir em busca do diálogo, com altivez, dignidade e disposição para negociar.
Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/lula-vive-dilema-politico-resistir-ao-tarifaco-de-50-ou-aceitar-humilhacao/