Grupo de eleitores indecisos ouvidos pelo GLOBO - Foto: O GLOBO |
Farol para 2026: eleitores mais disputados para próximo pleito veem em reflexos de tarifaço de Trump guia para voto

Farol para 2026: eleitores mais disputados para próximo pleito veem em reflexos de tarifaço de Trump guia para voto

Grupo de oito eleitores de regiões decisivas para a escolha do presidente no ano que vem relata como a medida do americano afeta sua posição para a disputa. O GLOBO acompanhará até a votação seu processo decisão


Por Eduardo Graça e Rafaela Gama - São Paulo e Rio de Janeiro

Há três anos, eles foram fundamentais para a vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro. E com a polarização persistente - entre lulistas e demais simpatizantes da esquerda de um lado, e bolsonaristas e antipetistas do outro - serão ainda mais relevantes em 2026. Estimada pelo diretor da Quaest, Felipe Nunes, em 10% do eleitorado, a fatia da população com posição não calcificada e, portanto, com o voto ainda em disputa, será o foco de uma série de reportagens do GLOBO, que vai acompanhar até o próximo pleito o processo de decisão e as percepções em momentos-chave de um grupo de oito moradores de colégios eleitorais estratégicos para as campanhas.

Eleitores das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e do estado de Minas Gerais, regiões também tidas como decisivas, Lucas, Célio, Lorena, Vinícius, Fabiana, Walter, Letícia e Wagner têm razões distintas para não adiantar o voto. As preocupações passam por demandas antigas, como a segurança pública e a corrupção, e se juntam a outras mais recentes. Nas primeiras entrevistas, os reflexos danosos do tarifaço de 50% aos produtos brasileiros, ameaçado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, foram citados como relevantes na balança para 2026 e evidenciaram o apelo da pauta de soberania e, em segundo plano, o peso da economia na cabeça desse eleitorado.

- Quem entender mais rapidamente o perfil, os valores, as atitudes e crenças dos indecisos levará vantagem. Eles são ainda mais centrais do que há três anos para se avançar em um jogo com bolsões de apoio cristalizados - avalia Felipe Nunes, da Quaest, que tem destacado, nesse universo, o papel dos empreendedores individuais e dos chamados liberais sociais, grupo que antes preferia o PSDB em eleições presidenciais e tem a defesa da democracia como bandeira.





Concentrado nos maiores centros urbanos, a fatia entre os polos que deverá ser cobiçada pelos postulantes ao Planalto tendeu mais a Lula em 2022 em defesa da democracia, mas parte dela agora se vê, a um ano e três meses do pleito, descontente com o seu governo, embora essa não seja uma posição definitiva - a pressão de Trump pela anulação do julgamento de Bolsonaro na ação pelo atos golpistas é um exemplo de que uma reaproximação é possível. O tema, aliás, chegou a ser mais mencionado na última semana do que outra aposta eleitoral do governo Lula, o avanço da justiça social via reforma tributária.

- O impacto do tarifaço foi gigante e, com ele, Lula resolveu dois problemas: unir a esquerda, que andava desanimada e desenganada, e dividir a direita, avançando sobre o centro. A aproximação via soberania nacional tem valor maior, pois une as pessoas em torno de uma bandeira, de um projeto político - diz Nunes.

De Belo Horizonte e com dificuldade em encontrar "opções claras", Fabiana Gomes, 48 anos, administradora de um centro de pesquisa científica, já foi eleitora do PSDB, em seus antigos moldes. Foi de Lula em 2022 "para tirar Bolsonaro", mas segue insatisfeita com o que percebe ser a incapacidade do Executivo de negociar com o Congresso pautas urgentes, como a liberação do orçamento federal, atrasada por três meses neste ano. Mas a resposta firme do governo ao tarifaço a fez rever o nariz torcido a Lula 3 e se afastar no momento de nomes à direita. O que mais teme é o Brasil repetir os EUA, com a reeleição de Trump:

- Um país não pode interferir na soberania de outro.

Fabiana Gomes, de 48 anos, administradora e moradora de Belo Horizonte - Foto: Flavio Tavares
Fabiana Gomes, de 48 anos, administradora e moradora de Belo Horizonte - Foto: Flavio Tavares


"A atuação dos Bolsonaro no tarifaço de Trump é absurda"
- Fabiana Gomes, administradora, de Belo Horizonte

Em São Paulo, o atendente da Shopee Vinícius dos Santos, 31, achou "o máximo" o discurso da soberania, embora critique o desgaste dos 17 anos do PT na Presidência e a dificuldade de comunicação com os jovens.

O atendente da Shopee Vinícius dos Santos, de São Paulo - Foto: Edilson DantasO atendente da Shopee Vinícius dos Santos, de São Paulo - Foto: Edilson Dantas

"Achei o máximo o discurso da soberania. Os Brics deveriam mesmo negociar com outra moeda"O atendente da Shopee Vinícius dos Santos, de São Paulo - Foto: Edilson Dantas

Dono da loja de presentes de sua família no Pelourinho, em Salvador, Lucas Santana, de 25 anos, ainda busca um candidato que o faça, ao contrário de 2022, sair de casa para votar:

- Não me considero nem de direita nem de esquerda, concordo com a maioria das pautas feministas, que me levam para a esquerda, mas na economia e na segurança pública, a direita me atrai mais.

A economia é um ponto central para sua escolha. Ele acreditou que, com Lula, seu poder de compra iria aumentar, mas se decepcionou especialmente com a "taxa das blusinhas" e a impossibilidade de consumir "como os mais ricos".

Lucas Santana, dono da loja de presentes de sua família no Pelourinho, em Salvador - Foto: Rafael MartinsLucas Santana, dono da loja de presentes de sua família no Pelourinho, em Salvador - Foto: Rafael Martins

"Bolsonaro me desagrada por seus atos na pandemia e Lula por não ver acenos do governo a quem deseja empreender"
- Lucas Santana, dono da loja de presentes de sua família no Pelourinho, em Salvador

Já o balconista Célio Gomes, 46, morador do Rio, foi uma das poucas vozes destoantes. Ele votou em Lula para evitar Bolsonaro, mas está insatisfeito com a ênfase nacionalista, que vê como uma distração para a ausência de canal de negociação com os EUA. E busca um candidato "com mais disposição para o diálogo".

Célio Gomes, balconista e morador do Rio - Foto: Domingos PeixotoCélio Gomes, balconista e morador do Rio - Foto: Domingos Peixoto

"Entramos numa rota de confronto com Trump que é impensável, meu Deus!"
- Célio Gomes, balconista, Rio de Janeiro

A mesma percepção foi compartilhada por Lorena Mendes, 20, estudante de Psicologia, moradora de Manhuaçu, na Zona da Mata mineira:

- Foi uma decisão política, mas não sobre Lula ou Bolsonaro, direita ou esquerda, mas sim em resposta ao Brics. O Trump se sentiu ameaçado porque isso desvalorizaria o dólar.

Lorena Mendes, estudante de Psicologia, moradora de Manhuaçu, na Zona da Mata mineira - Foto: Arquivo pessoalLorena Mendes, estudante de Psicologia, moradora de Manhuaçu, na Zona da Mata mineira - Foto: Arquivo pessoal

"Foi uma decisão política, mas não sobre Lula ou Bolsonaro, direita ou esquerda, mas sim em resposta ao Brics"
- Lorena Mendes, estudante

De Salvador, a empresária Letícia Ferreira, 47, votou em Lula em 2022 e, embora satisfeita com o governo, se diz aberta, a essa altura, a "candidatos qualificados, mas desde que não atuem contra o Brasil".

- Depois dessa, se o segundo turno tiver o presidente e um bolsonarista, não só voto pela reeleição como faço até campanha - afirma.

Letícia Ferreira, empresária, de Salvador - Foto: Rafael MartinsLetícia Ferreira, empresária, de Salvador - Foto: Rafael Martins

"Não baixar a cabeça para Trump foi o certo, mas reciprocidade é perigoso"
- Letícia Ferreira, empresária, de Salvador

Já o eleitor de Bolsonaro nas últimas eleições Walter Dias, 69, motorista de táxi há quase três décadas na capital paulista, não enxerga no flanco bolsonarista um candidato capaz de substituir o ex-presidente. Cita a falta de experiência no Executivo dos demais membros do clã como razão para não votar neles e não considera Tarcísio de Freitas por acreditar que ele disputará a reeleição em São Paulo. Ganhará seu voto, diz, quem apresentar soluções para suas maiores queixas: economia e segurança pública.

Walter Dias, taxista, da Zona Norte de São Paulo - Foto: Matheus de SouzaWalter Dias, taxista, da Zona Norte de São Paulo - Foto: Matheus de Souza

"Com Lula, perdi poder de compra e tenho mais medo de ser assaltado"
- Walter Dias, taxista em São Paulo

No Rio, Wagner Oliveira, 33, morador do Jacarezinho, na Zona Norte, defende que o enfoque dos governos deveria estar centrado na classe E, que recebe até R$ 2 mil, mas relata que não tem tido suas preocupações atendidas. No passado, já deu chances ao PT e a Bolsonaro, mas para convencê-lo a votar no ano que vem, seria preciso mais do que o apoio de um deles. Como entregador por aplicativo que circula pelo Méier, também na Zona Norte, ele diz que só apoiará um candidato que tenha "um plano claro" e que possa atender a sua categoria.

- Além de mais bases de apoio, a gente precisa que passe a se ensinar sobre segurança no trânsito e haja investimento na criação de um plano de carreira para os entregadores. Sem isso, já que não é um trabalho CLT, ficamos só à mercê dos aplicativos - conta. (Colaborou Matheus de Souza, de São Paulo)

Wagner Oliveira, entregador de aplicativo, do Rio - Foto: Domingos PeixotoWagner Oliveira, entregador de aplicativo, do Rio - Foto: Domingos Peixoto