Bolsa de Valores de São Paulo (B3) - Foto: Nelson Almeida / AFP |
AGU pede que STF investigue operação de câmbio suspeita antes de tarifaço no inquérito contra Eduardo Bolsonaro

AGU pede que STF investigue operação de câmbio suspeita antes de tarifaço no inquérito contra Eduardo Bolsonaro

Reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, mostrou movimentações bilionárias no mercado de câmbio na tarde do anúncio das tarifas por Trump


Por Thaís Barcellos, Bruno Rosa e Paulo Renato Nepomuceno - Brasília e Rio

A Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) na noite de sábado uma investigação de possíveis investimentos suspeitos feitos no Brasil antes do tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos anunciado pelo presidente americano, Donald Trump.

O pedido sugere uma investigação no âmbito do inquérito relacionado às ações do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos em busca de uma forma de combater a ação no STF à qual seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), responde por tentativa de golpe de estado, entre outros crimes.

A solicitação da AGU tem como origem uma reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, exibida na noite de sexta-feira que apontou indícios de movimentações bilionárias atípicas de compra e venda de dólares em aposta contra o real, na tarde do dia 9 de julho, quando a medida econômica foi anunciada por Donald Trump e provocou a súbita desvalorização da moeda brasileira.

O advogado-geral da União, Jorge Messias - Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo
O advogado-geral da União, Jorge Messias - Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo

Segundo a AGU, dirigida pelo ministro Jorge Messias, a movimentação sugere possível utilização de informações privilegiadas para investir no mercado de câmbio, prática criminosa conhecida como insider trading, por pessoas físicas ou jurídicas, "supostamente com acesso prévio e indevido a decisões ou dados econômicos de alto impacto".

Em nota, o órgão destaca que a investigação contra Eduardo já apura o uso das tarifas como mecanismo de coação premeditada contra a Justiça brasileira. O deputado licenciado está nos EUA há meses e vem se reunindo com autoridades americanas.

Na notícia de fato encaminhada ao ministro relator do caso no STF, Alexandre de Moraes, a AGU afirma que os fatos noticiados indicam que a conduta "delitiva" de Eduardo podem ir além da obstrução da Justiça e envolver ganhos financeiros indevidos.

"À luz dos fatos noticiados, podemos inferir que eles se inserem em contexto no qual os fatos já em apuração neste inquérito estão além dos ilícitos penais já indicados na Pet 14.129 pela Procuradoria-Geral da República, relacionados à obstrução da Justiça, mas também com possíveis ganhos financeiros ilícitos, mediante os mesmos fatos que buscaram impor embaraço à aplicação da lei penal", enfatiza a AGU.

Caráter prioritário

A AGU ainda encaminhou a notícia de fato à Procuradoria-Geral da República e pediu à Procuradoria-Geral da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado de capitais no Brasil, que adote "em caráter prioritário" as medidas que julgar cabíveis.

"A AGU pontua, que além da esfera criminal, o uso ilícito de informação privilegiada enseja responsabilidade civil e administrativa, inclusive por prejuízos ao mercado e a investidores", diz a nota.

De acordo com o Jornal Nacional, às 13h30 de 9 de julho, no horário de Washington, os gráficos com a evolução da cotação do dólar frente ao real naquele dia indicam que houve compra da ordem de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões antes do anúncio de Trump, quando o dólar valia R$ 5,46.

Dois minutos após o anúncio de Trump, que ocorreu às 16h17, a mesma ordem de grandeza da moeda americana foi vendida, a cotação disparou. E uma quantidade similar de dólares teria sido vendida a R$ 5,60, provocando, após uma forte queda, uma valorização do real frente ao dólar em dimensão similar à desvalorização do primeiro movimento observado.

Lucro em 3 horas

Um gestor de investimentos americano diz suspeitar de que alguém pode ter feito as operações munido da informação de que Trump faria o anúncio, lucrando muito dinheiro em poucas horas com a troca de dólares por reais.

A reportagem analisou gráficos que mostram a movimentação do câmbio, e o gestor calculou um possível lucro milionário num intervalo de três horas. Ele levanta suspeita de uma operação de insider trading no mercado americano, uma vez que movimentações semelhantes já tinham sido observados no mercado de câmbio em relação às moedas de União Europeia, África do Sul e México no dia em que Trump fez anúncios de tarifas em relação a esses países, como apontou o The New York Times em abril.

Parlamentares americanos também apontaram a suspeita de manipulação do mercado financeiro e pediram investigações, mas nenhum caso foi adiante até o momento nos EUA. A AGU sugere ao STF para investigar se uma possível ação criminosa pode ter sido feita no mercado brasileiro.

Investigação não é simples

Procurados pelo GLOBO, A CVM, responsável pela regulação do mercado de capitais, onde são negociados contratos futuros de dólar, e o Banco Central, que supervisiona o mercado de câmbio, não comentaram o assunto.

A maioria dos analistas de mercado consultados pelo GLOBO evitou falar sobre a suspeita, argumentando que há poucas informações e que não é simples apontar pelo gráfico se houve uma ou mais operações de câmbio atípicas no dia do anúncio do tarifaço, particularmente porque Trump já vinha cogitando medidas contra o Brasil há alguns dias e o deputado Eduardo Bolsonaro pressiona a Casa Branca por medidas, pessoalmente nos EUA, há mais tempo.

O movimento da AGU é visto por um deles como um movimento mais político do governo, para reforçar as suspeitas em torno do filho de Bolsonaro no inquérito.

Outro observou que uma eventual investigação tende a ficar a cargo da CVM envolvendo contratos de derivativos de câmbio que são negociados na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3. Sobre as movimentações no mercado americano ou em outros países, uma apuração por autoridades brasileiras seria muito limitada.

Segundo gestores de renda fixa, o mercado de câmbio do dólar comercial (moeda vendida no mesmo dia) tem um giro (volume) de negociações de cerca de US$ 4 bilhões, com o mercado futuro do dólar (em contratos de vencimento futuro) em cerca de nove a dez vezes este tamanho.

Difícil é comprovar a informação privilegiada

Pedro Ros, CEO da Referência Capital, avalia que existe a possibilidade de ter ocorrido um insider trading tanto no Brasil quanto em outros países. Segundo ele, o uso de informação privilegiada não se limita ao mercado de ações, podendo ocorrer também em operações com moeda estrangeira, especialmente diante de eventos com forte impacto cambial, como no caso envolvendo o anúncio das tarifas de 50% dos EUA sobre produtos brasileiros que ingressam na maior economia do mundo.

- Se alguém obteve acesso antecipado ao anúncio do tarifaço dos EUA e se posicionou no mercado de câmbio com base nessa informação, isso pode configurar insider trading em qualquer jurisdição, dependendo do local da operação e da origem da informação utilizada.

Ele continua:

- O mercado de câmbio é rigidamente monitorado por órgãos como o Banco Central, a Receita Federal, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e, em certos casos, a CVM. Operações com volumes fora do padrão ou realizadas em momentos estratégicos podem ser rastreadas. Caso tenham ocorrido fora do país, será necessário acionar acordos de cooperação internacional. A maior complexidade está em provar que a informação utilizada era privilegiada e foi acessada antes do anúncio oficial, o que é essencial para a configuração do crime.

Mary Elbe Queiroz, presidente do Centro Nacional para a Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários (Cenapret) e sócia do Queiroz Advogados, concorda. Para ela, o insider trading pode ter ocorrido. Como as transações atípicas em volume e timing são rastreáveis, poderá haver uma força-tarefa de investigação entre diferentes instituições como CVM, Receita e Banco Central.

- O Brasil tem acordos de cooperação e o rastreamento de registros bancários e corretoras com diversos países. Então, é viável identificar os autores. A dificuldade está em comprovar a origem privilegiada da informação.

Especialista vê baixa probabilidade

Já Pedro Tremacoldi-Rossi, professor adjunto de finanças no Mestrado em Economia da Universidade de Columbia, em Nova York, e que têm pesquisas na área de manipulação de mercado, afirma que é difícil um insider trading (ou até mesmo um grupo seleto de detentores de informação privilegiada) ser capaz de realizar grandes compras no mercado de câmbio a ponto de fazer mudar o valor da cotação, que possui um volume considerável de transações.

- Antes da carta, o presidente Trump, em reunião com líderes africanos no início da tarde daquela quarta-feira (9 de julho), afirmou que o Brasil teria tarifas. Logo o mercado leu aquilo como um aviso, e se ajustou. O fato daquilo ter pulado de preço é exatamente consistente com vários traders (negociadores) lendo o mesmo sinal. Um só operador pequeno não consegue realizar grandes movimentos, pois o mercado de câmbio tem um número de negociadores estabelecidos - diz.

Segundo ele, um negociador que, por ventura, tivesse informações privilegiadas, teria problemas para realizar as compras no mercado de câmbio. Compras grandes por um ou alguns operadores são monitoradas de perto, e também influenciariam o preço:

- Ordens grandes em dólar não são executadas, porque é algo atípico. Não existe sistema que possibilite que se faça isso. O gerente da conta passaria para alguém, o compliance ia saber, iam ligar querendo entender. E, se você dá uma ordem grande, apostando contra o real, é um sinal para quem vende, que também aumentará o preço. - diz ele.

Naquele dia, ele frisa, o EWZ, índice negociado em Nova York que replica o desempenho de um conjunto de empresas brasileiras, e as ADRs (espécie de espelho das ações listadas no Brasil) da Embraer também registraram movimento parecido.

De acordo com Pedro, quem pratica o insider trading geralmente opera em escala para evitar deixar rastros. Os movimentos de quem possui informação privilegiada são silenciosos, evitando alarmar o mercado.

- Os insider traders têm muito cuidado. Porque se eu compro em grande volume e o mercado percebe, o preço aumenta, o que faz com que minha compra fique cada vez mais cara.

O movimento visto no primeiro pico, segundo ele, foi uma movimentação eletrônica, de que algo ruim sobre o Brasil estava por vir e, logo, operadores em bloco realizaram lucros para evitar as novidades. O segundo choque foi pior pela inesperada primeira posição no ranking de taxação mais alta, de 50%.

O Globo
https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2025/07/20/agu-pede-que-stf-investigue-operacao-suspeita-antes-de-tarifaco-no-inquerito-contra-eduardo-bolsonaro.ghtml