Beatriz Céu
Donald Trump está a tentar fazer "um regresso à diplomacia triangular dos anos 60, mas de forma invertida" - quer afastar a Rússia da China, tal como os EUA foram buscar Pequim em 1960 para fazer oposição à União Soviética. Desta vez, porém, "a América pode estar a cometer um erro estratégico colossal", avisam os analistas
Donald Trump está a fazer de tudo para afastar Vladimir Putin de Xi Jinping, utilizando as negociações sobre a guerra na Ucrânia como um meio para atingir um fim, segundo analistas ouvidos pela CNN Portugal. Mas, ao fazer isto, "a América pode estar a cometer um erro estratégico colossal", avisa Diana Soller, especialista em relações internacionais.
No entender da investigadora, Donald Trump tem feito o papel de "advogado do diabo" nas conversações entre as delegações russas e norte-americanas para resolver o conflito na Ucrânia. Enquanto Mark Rubio, secretário de Estado norte-americano, quis tranquilizar os líderes europeus e a Ucrânia após a reunião com os russos na Arábia Saudita, garantindo-lhes que vão ser envolvidos nestas negociações, Trump voltou a inflamar os ânimos, acusando Volodymyr Zelensky de ser responsável pelo início e pela duração do conflito.
Ou seja, na perspetiva dos analistas, Donald Trump não está verdadeiramente interessado numa solução para o conflito na Ucrânia, tal como não está interessado em resolver a guerra no Médio Oriente, tendo em conta os seus comentários de que pretende transformar a Faixa de Gaza numa espécie de "Riviera" do Médio Oriente.
"Eu acho que só há um interesse possível, verdadeiramente, que é o interesse de separar a Rússia e a China", considera Diana Soller, concretizando que Donald Trump e a equipa que integra a sua nova administração "consideram a China como a maior ameaça à liderança norte-americana" e, por isso, querem "tentar separar estes dois Estados [Rússia e China], que parecem estar de pedra e cal na sua posição anti-americana."
"Um regresso à diplomacia triangular dos anos 60, mas invertido"
Tiago André Lopes, especialista em diplomacia, fala mesmo num "regresso à diplomacia triangular dos anos 60, mas de forma invertida". "Nos anos 60, os Estados Unidos foram buscar a China, na altura com Mao Tse-Tung, que estava desentendida com a União Soviética, e puseram a China do seu lado para fazer oposição à União Soviética. Agora, é o oposto: há uma contestação clara, militar e económica, de Donald Trump e da sua equipa contra a China."
Ora, no entender do especialista, "para essa contestação ser eficaz" e obter resultados, é preciso acabar como "a amizade permanente da Rússia com a China". Logo, explica, "esta aproximação e estas concessões à Rússia visam reaproximar os Estados Unidos da Rússia, de forma a poder depois, mais à frente, fazer a tal oposição musculada à China".
Mas todo este esforço pode ser em vão, avisa Diana Soller: "Não sei se isso terá propriamente um grande resultado do ponto de vista político. Não me parece que a Rússia tenha particular vontade de pôr a China de lado para se aliar aos Estados Unidos."
Nos últimos três anos, foi através desta aliança com a China que "a Rússia conseguiu driblar as sanções" do Ocidente, lembra Tiago André Lopes. "Pequim abriu as portas da Rússia ao mundo oriental, à tal asiatização da economia russa."
Aliás, horas depois da tomada de posse de Donald Trump, os Xi Jinping e Vladimir Putin conversaram numa videochamada na qual se comprometeram a elevar as suas relações bilaterais para "níveis mais altos". Em comunicado citado pela BBC, Putin dirigiu-se a Xi como o seu "querido amigo" e afirmou que Moscovo e Pequim estão a construir laços "com base na amizade, confiança mútua e apoio", apesar da pressão externa. Por sua vez, Xi pediu a Putin para que "continue a aprofundar a coordenação estratégica, fortalecendo o apoio mútuo e salvaguardando interesses legítimos".

O presidente russo Vladimir Putin e o líder chinês Xi Jinping apertam as mãos durante uma reunião em Pequim, em outubro de 2023. Sergei Guneyev/AFP/Getty Images
É neste contexto que Diana Soller acredita que "a América pode estar aqui a cometer um erro estratégico colossal" ao tentar intrometer-se na amizade entre Xi e Putin.
Além desta questão geopolítica, Tiago André Lopes considera que o principal interesse de Trump nesta reaproximação a Putin é "claramente económico", tendo em conta o objetivo declarado por Trump de "cortar a despesa pública externa rapidamente". Ora, uma forma rápida de cortar despesa é pôr fim ao apoio à Ucrânia. Resumindo, diz, Trump quer "aparecer como um fazedor de, pelo menos, um cessar-fogo" na Ucrânia, posicionando-se na corrida ao Nobel da Paz - algo que, segundo vários analistas, é uma das suas ambições pessoais - e, ao mesmo tempo, quer "estabilizar a questão das despesas e, eventualmente, relançar os negócios plenamente com o mercado russo, que é um mercado enorme".
CNN Portugal
https://cnnportugal.iol.pt/guerra-na-ucrania/donald-trump/o-verdadeiro-interesse-de-trump-em-putin-nao-e-acabar-com-a-guerra-na-ucrania-ha-outro-objetivo-na-mente-do-presidente-dos-eua/20250219/67b603d5d34e3f0bae9aad1b